São Paulo, sexta-feira, 18 de agosto de 1995
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Metrópoles sustentáveis latino-americanas

CANDIDO MALTA CAMPOS FILHO

O Forum del Ajusco, realizado recentemente pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e pelo Colégio de México na capital mexicana, do qual fomos o relator-geral, tirou sérias conclusões sobre o futuro das metrópoles latino-americanas.
Cerca de 40 especialistas de quase todos os países latino-americanos, convidados para expressar seus pontos de vista individuais, afirmaram que esse futuro está umbilicalmente entrelaçado a uma economia crescentemente globalizada, ao modo pelo qual tal globalização se desenvolva.
Distinguindo formas predatórias e formas produtivas do modo de produção capitalista, correspondendo as primeiras a estruturas institucionais e práticas de acumulação primitiva e as segundas a instituições da acumulação ampliada, mostram esses especialistas que é preciso combater as primeiras e apoiar e desenvolver as segundas para que a globalização da economia, positiva como perspectiva de futuro, supere o seu caráter excludente atual.
Ao discutir o que se entende por desenvolvimento sustentado, apontaram para uma condição básica a afetar o comportamento empresarial. Ao empresário interessa a ampliação constante dos mercados de consumo, para absorver uma crescente capacidade produtiva trazida pela competição intracapitalista e alimentada pelo avanço tecnológico nas técnicas de financiamento, produção, distribuição e consumo.
Ao distribuir salários geradores desses mercados de consumo, levantam o nível de subsistência de grandes massas populacionais, criando entre elas novas demandas de melhoria de qualidade de vida, despertando nas mesmas, progressivamente, uma consciência ambiental.
A pressão desses consumidores consolida o processo democrático, exercendo pressão crescente sobre as formas predatórias de produção, apropriação e consumo, provocando a revisão do papel do Estado, ou seja, do conjunto de instituições que regram a sociedade.
Aos predadores, essa visão de longo prazo do processo de desenvolvimento sustentado não interessa, pois, estão voltados para o curto prazo e se utilizando de todos os meios disponíveis para obter esse ganho:
1) o ganho pela inflação; 2) o decorrente das práticas corruptas no Estado ou fora dele; 3) a sonegação contumaz de impostos; 4) a ineficiência do Estado pelo inchaço de empregos provocado pelo clientelismo político; 5) pelo superfaturamento de serviços e obras produzidos por empresas privadas para o Estado, outro tipo de clientelismo político; 6) o dos monopolistas públicos e privados que se opõem ao controle da sociedade à sua administração dos preços ou à concorrência internacional; 7) a do efeito monopolista gerado pelas vantagens locacionais diferenciadas no território, urbano e rural, decorrentes de um processo sem controle de desenvolvimento ou, o que é mais grave, pelo direcionamento da ação do Estado, constituindo mais um tipo de clientelismo político, ao direcionar para seus interesses particulares a legislação controladora do uso do solo e os investimentos públicos que produzem uma renda fundiária, denominada de especulação imobiliária, que degradam a qualidade de vida e a eficiência produtiva das cidades de médio e grande porte.
Esses clientelismos lutam para impedir a ação planejada democrática do Estado que possa propiciar-lhe transparência, sendo para isso abrangente no tempo, no espaço e intersetorialmente e aberta ao escrutínio popular.
O estatismo como ideologia serve de escudo aos que defendem um Estado clientelista, inchado e superfaturante, assim como o liberalismo pode servir de fachada aos que querem desmontar a capacidade do Estado de coordenar e instrumentar a luta que seja a do redesenho institucional contra os predadores.
As grandes cidades latino-americanas foram vistas pelos participantes como uma grande contribuição que a nossa civilização latina pode oferecer ao desenvolvimento da humanidade. Seu caráter predatório atual, expresso pela dramática desigualdade social e a ilegalidade da maior parte do espaço construído, é atribuído, tendo em vista os diversos graus de industrialização atingidos, à persistente prevalência das forças sociais da formação predatória, mercantil ou pré-capitalista sobre a industrial ou produtiva do capitalismo avançado.
A crise fiscal do Estado, em sua incapacidade de dar conta das obrigações de que está instituído, especialmente no que se refere aos serviços urbanos básicos para a população urbana, foi vista como decorrente dessa forma ainda predominantemente predatória de desenvolvimento, que está atingindo mesmo os países do capitalismo avançado, tendo como causa maior aparente a constituição de um oligopólio internacional das nações petroleiras, na década de 70, detentoras atuais das maiores somas de capitais financeiros especulativos, ainda não sob controle internacional.
Os processos entrelaçados de urbanização e industrialização foram entendidos como positivos, sendo que os desequilíbrios sócio-ambientais existentes são predominantemente o resultado de que tais processos ainda não se completaram, no caso dos países latino-americanos, ou retrocederam, como nos países do capitalismo avançado.
A perda da regulação nacional, resultado da globalização crescente dos mercados, não tendo ainda sido substituída por uma regulação internacional, provoca desequilíbrios amplificados sobre as realidades nacionais. A constituição de mercados regionais parece constituir passos na direção do necessário controle do fluxo internacional de capitais.
A construção de uma sociedade mais justa é condição fundamental para propiciar o uso dos avanços da ciência, não apenas para produzir uma capacidade maior de alteração da natureza, mas para produzir uma capacidade neutralizadora dos desequilíbrios dos processos naturais, além daqueles representados pela natural crescente entropia universal. A menos que reconheçamos na produção cultural humana a meta que hoje vemos como utópica de desafiar o caráter entrópico dos processos naturais.
O papel do Estado e dos mercados, neles incluindo a disputa societal das instituições da sociedade civil, isto é, o setor público não-estatal, redesenhados continuamente e democraticamente, poderão conduzir-nos a uma sociedade melhor, inclusive para os que vivem em nossas metrópoles.

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