São Paulo, sexta-feira, 18 de agosto de 1995
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O dever de ser bem-visto

JOSÉ SARNEY

Mauro Sales, no Senado Federal, em abril passado, abordando o tema da imagem do Congresso, lembrou que Antônio Balbino sempre dizia que ``antes de usar a imaginação, deve-se usar a memória".
No julgamento do Congresso brasileiro nunca se usa a memória, usa-se sempre a acusação. Ele sempre foi responsabilizado pela falta de instrumentos de mudança necessários para retirar o país da crise. Nada mais injusto.
Se há uma instituição que nunca faltou ao Brasil foi o Congresso brasileiro. Ele construiu as instituições e incorporou ao país as idéias de democracia e liberdade que fazem parte do sistema ocidental.
Na Constituinte de 1823, quando a independência ainda não era mais do que um gesto, sem imprensa, os parlamentares discutiam a liberdade de imprensa; sem termos povo, procurava-se garantir as liberdades civis e um sistema de governo que assegurasse uma monarquia constitucional; sem termos fronteiras definidas nem a exata noção de nossos espaços, começou-se a construir uma nação; sem termos leis nem instituições judiciárias que não fossem as legadas pelo reino de Portugal, procurava-se implantar a vitaliciedade e a independência do Judiciário.
Ainda estão vivas as palavras de Bernardo Pereira de Vasconcelos quando se relêem os anais daquele tempo, como símbolo dos homens construtores da nacionalidade.
O Congresso foi fechado em 1823, em 1889, em 1893, em 1930, em 1967 e em 1968. Nunca ninguém pensou fechar o Executivo.
Muitas vezes, ao longo de nossa história, o Poder Legislativo foi suspenso, invadido; presos, cassados e exilados muitos dos seus membros. Milton Campos perguntava: ``O que é o poder civil?" E ele mesmo respondia: ``É a brigada de choque dos políticos que compõem o Congresso".
Faço esses comentários para lembrar que, mais uma vez, o Congresso não falta à nação e, esta semana, em um só dia, promulgou quatro emendas constitucionais, votadas em tempo recorde e destinadas a promover uma profunda modificação na vida econômica do país.
Esperamos que o Executivo dê consequência imediata aos temas tratados nessa reforma constitucional. O mesmo ritmo que foi seguido no primeiro semestre deste ano deve ter prosseguimento no segundo.
Perseguir o objetivo é limpar a pauta, evidência de trabalho, com a consciência moral das responsabilidades que nos incumbem, a decisão de não cometer erros, de jamais aceitar qualquer arranhão nos procedimentos éticos que devem nortear a conduta de uma casa legislativa que deve agir com transparência, moralidade, eficiência e trabalho.
Ali devem existir muitos erros, que devem ser corrigidos. Se muito trabalhou, mais deve trabalhar, sabendo da responsabilidade que tem com o povo sobre sua imagem. Imagem, projeção de sua identidade, de uma instituição que deve merecer a confiança do povo.
O padre Vieira dizia que ``é natural no homem o desejo de ver; mas o apetite de ser visto é muito maior. O uso de ver tem fim com a vida; o apetite de ser visto não acaba com a morte".
Assim como temos uma boa visão do trabalho do Congresso na formação da nacionalidade, assim também é necessário que ele atenda ao dever de continuar a ser bem-visto no futuro.

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