São Paulo, sábado, 19 de agosto de 1995
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Protecionismo ou política de competitividade?

RUBENS RICUPERO

A ingênua euforia com os megasaldos comerciais desviou a atenção do que era de fato grave no nosso desempenho externo: o recuo da participação das exportações brasileiras no total mundial -de 1,5% para 1% no decênio 1984-93. Se o Brasil tivesse conseguido ficar parado em lugar de retroceder, teríamos exportado US$ 55 bilhões em 1993 e não os US$ 38,5 bilhões que efetivamente vendemos.
Uma das razões principais desse fracasso foi a política adotada em fins dos anos 70 para enfrentar as pressões sobre o balanço de pagamentos, geradas pelos choques de petróleo e pela crise da dívida. Optou-se, então, pela solução mais fácil a curto prazo: reprimir as importações por meio de tarifas, barreiras quantitativas, proibições (eufemisticamente apelidadas de "suspensões temporárias") e pela burocracia das licenças, que gerou rendosos cartórios de corrupção em prejuízo do consumidor.
Acabamos prisioneiros de um sistema que só funcionaria se tivesse sido temporário, moderado e fosse gradualmente defasado ao longo do tempo. Conforme mostra, por exemplo, o estudo que o Banco Mundial dedicou a "The East Asian Miracle", as economias dinâmicas da Ásia também passaram, exceto Hong Kong, por uma fase de substituição de importações, mas com duas importantes diferenças em relação à experiência brasileira.
A primeira era o grau mais moderado da proteção: já em 1985, as tarifas e medidas não-tarifárias de proteção na Ásia correspondiam a apenas 40% do grau vigente na América do Sul. A segunda era a contínua pressão competidora proveniente da obrigação de apresentar um desempenho exportador positivo após certo número de anos.
O preço da opção brasileira foi uma brutal repressão das importações, bastando lembrar que só em 1993 fomos capazes de igualar e superar -apenas em termos nominais- o nível de US$ 23 bilhões de importações atingido em 1980.
Ora, quem não importa não consegue exportar muito, sobretudo produtos de alto valor agregado, setor extremamente competitivo em que o segredo do êxito é importar componentes mais baratos para reelaboração e exportação.
O resultado é que, em 1993, importávamos praticamente um quarto do que ingressava na China e na Coréia do Sul. Em compensação, esses dois países exportavam mais que o dobro do Brasil. E grande parte do que conseguíamos vender era no setor de baixo valor agregado, dependente de recursos naturais ou escala de produção, que só por um esforço de imaginação podem ser chamados de manufaturados: suco de laranja, farinha e óleo de soja, celulose, minério de ferro etc.
Tudo isso pode parecer óbvio e redundante. Infelizmente, nem o debate e as pressões sobre comércio exterior no Brasil nem algumas soluções aventadas conseguiram superar esse estágio. O pior não é haver quem queira recorrer ao desacreditado remédio da repressão das importações, mas que, ainda por cima, não faltem os desejosos de voltar a usar instrumentos hoje específica e explicitamente proibidos pelo ordenamento jurídico internacional.
Como se tem repetido com frequência (mas ainda não o suficiente), a diferença entre 1995 e 1979 é que no Gatt de outrora havia poucas regras e muitas exceções, enquanto na Organização Mundial do Comércio de hoje existem muitas regras (e minuciosas) e pouquíssimas exceções.
Dentre essas normas se destacam a proibição geral de cotas e outras barreiras quantitativas e a interdição dos subsídios específicos (relativos apenas a uma empresa ou setor de produção), como os condicionados a desempenho exportador ou ao emprego de insumos nacionais, de preferência aos importados (o nosso famoso "índice de nacionalização"), aplicados a um determinado setor, como o automobilístico.
Se, de um lado, as novas disciplinas inviabilizaram o recurso a muitas das armas tradicionais da política industrial, deixou-se, por outro lado, espaço para medidas que, utilizadas judiciosamente, poderão ajudar a melhorar a competitividade do setor exportador sem as distorções do passado. Assim, o significativo capítulo dos subsídios de "luz verde" permite o uso de subsídios, específicos ou não, com vistas à pesquisa tecnológica ou desenvolvimento pré-competitivo, ao desenvolvimento regional e à adaptação de instalações a novas exigências ambientais.
Como se vê, em todos esses casos está aberto o caminho para ações que contribuiriam para a solução de problemas brasileiros de interesse geral. De fato, esses dispositivos permitem ao governo brasileiro tentar superar nosso atraso tecnológico (e a persistente incapacidade de exportar produtos mais sofisticados), reduzir disparidades regionais (Nordeste, Amazônia), promover a desconcentração industrial e melhorar a qualidade ambiental. Por que não utilizá-los numa política de competitividade inteligente, em vez de insistir em erros passados?

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