São Paulo, sábado, 19 de agosto de 1995
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Muito além do jardim zoológico

HENRIQUE RATTNER

O tratamento draconiano imposto aos petroleiros, as demissões em massa dos funcionários do Banco do Brasil e os avisos sobre a necessidade de demissões futuras para ``racionalizar" a máquina administrativa do Estado nos levam a duvidar da racionalidade-fim ou dos objetivos do governo, em nome dos quais a classe trabalhadora está sendo sacrificada.
Alega o governo que as demissões são necessárias e até inevitáveis, pois, do contrário, "o BB entra no vermelho e o povo paga pelo prejuízo".
Os demitidos, por acaso, não são povo? E o vermelho do BB só deve ser atribuído ao "excesso" de funcionários e não aos empréstimos lesivos concedidos nos últimos anos sem as devidas garantias? Não se pode atribuir aos funcionários a responsabilidade pela política no mínimo imprudente das diretorias anteriores. Somando o caso do BB ao do Banespa, reforça-se a suspeita sobre a seriedade e a justiça das medidas adotadas para sanar as finanças públicas.
Será que os donos do poder se dão conta dos danos irreparáveis causados aos indivíduos e às famílias daqueles que foram declarados redundantes ou inúteis para a sociedade? A conjuntura recessiva não permite alimentar expectativas de uma reabsorção dessa mão-de-obra "sucateada" pelo sistema, em nome de maior produtividade e competitividade.
Que eficiência seria essa que depende do sacrifício e da pauperização de milhões de cidadãos? Que futuro o governo promete a eles e aos seus filhos desamparados, face às carências e à inoperância das chamadas políticas sociais?
O governo promete a retomada do desenvolvimento, após vencer a inflação. Mas quem alimenta a inflação é o próprio governo, pagando altas taxas de juros aos capitais especulativos, cuja entrada no país é necessária para equilibrar o balanço de pagamentos.
Essa brilhante política supostamente levaria os investidores estrangeiros a depositar mais confiança no futuro do país, aportando com investimentos capazes de induzir um novo ciclo de crescimento econômico.
Mas, em vez de uma política industrial orgânica, baseada em um plano nacional de desenvolvimento que vise integrar regiões periféricas e pobres do país, o presidente declarou seu "apoio" à decisão da Volkswagen quando esta decidiu localizar sua nova fábrica no Rio.
Em vão procurar-se-á uma diretriz de desenvolvimento regional ou setorial -enfim, uma racionalidade superior à da empresa que negociou descaradamente a isenção de tributos e impostos. Apoiando a operação da VW do Brasil, o governo deu luz verde ao leilão do país, perdendo de vista a distinção entre meios e fins.
Afinal, a aposta no programa de ajuste econômico estrutural -imposto pelos organismos financeiros multilaterais- tem dado certo, a ponto de justificar tamanhos sacrifícios das populações menos protegidas? Os casos do México e da Argentina (esta última com 18% de desempregados) não inspiram uma visão otimista do futuro.
A mobilidade e volatilidade dos capitais especulativos não asseguram estabilidade e crescimento econômico e muito menos uma sociedade sustentável no futuro.
"Acumulação se faz em casa", declara, de modo inconsequente, o ministro da Administração, repetindo tese do século passado (F. List) e louvando os avanços espetaculares das economias do Extremo Oriente. É verdade, mas, como economista, o professor-ministro certamente concorda que acumulação ou poupança é função de renda e esta depende do nível e da massa salarial paga aos trabalhadores.
Diminuindo a mesma, conforme as estatísticas do próprio governo, não há como induzir um ciclo virtuoso de poupança-investimento-crescimento.
Finalmente, as políticas preconizadas e praticadas pelo governo, embora de agrado das elites tão bem caracterizadas em tese defendida na USP nos anos 60, são incapazes de despertar na população sentimentos de identidade e solidariedade, indispensáveis para aceitar os sacrifícios impostos a fim de superar o estado de miséria e descalabro em que se encontra o país, devido à inépcia, corrupção e ganância de suas elites.
Ao perseverar obstinadamente na trilha de uma política -em crise mesmo nos países ricos- que condena os cidadãos à miséria e à marginalidade, sendo assim econômica e eticamente injustificável, o governo não estaria adotando um comportamento típico do animal cujo nome o presidente usou para tachar seus críticos e opositores?

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