São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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A mesma dança, meu boi

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Roberto Schwarz, crítico literário de viés sociológico e marxista, amigo do presidente, escreveu, lá pelo final dos 60, que uma das chaves estéticas do movimento tropicalista residia na alegorização dos aspectos arcaicos e modernos da sociedade brasileira.
Em ebulição, o Brasil do tropicalismo presenciava a eclosão estridente das contradições entre os dois pólos: os ares do desenvolvimentismo, a inauguração de Brasília, a indústria automobilística, o cinema-novo, o debate de idéias, o país, enfim, de face moderna, atritava com o desfile provinciano que estufava o peito sob o céu plúmbeo do regime militar.
Naquela época, Fernando Henrique Cardoso era um sociólogo letrado que escrevia sua conhecida Teoria da Dependência -tentativa engenhosa de explicar precisamente o modo como o país se modernizava a partir da redefinição de sua inserção periférica no sistema econômico internacional.
Hoje, Fernando Henrique é o príncipe. E, ironicamente, parece reproduzir no planalto central do país um bizarro desdobramento do princípio tropicalista.
Representante autoproclamado do Brasil moderno, mantém-se no governo aliado a um exemplo efusivo do arcaísmo político tupi, o senador baiano Antônio Carlos Magalhães.
Nos anos tropicalistas, FHC e ACM estavam em campos opostos. O primeiro, em conflito com o regime militar. O segundo, em perfeita sintonia. Hoje, justapõem-se no poder, de um modo que faz lembrar as alegorias de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto, Glauber Rocha.
Pois se Schwarz tinha razão -e tinha, ao menos quanto ao procedimento formal-, a estética tropicalista obtinha seu efeito construindo-se pela justaposição conflitiva de imagens, formas musicais e poéticas extraídas dos campos do moderno e do arcaico.
O episódio que envolveu FHC e ACM, em torno da intervenção no Banco Econômico, foi uma involuntária, mas convincente, performance tropicalista.
Em volta, a terra em transe. A manhã tropical principia sacudida pelas manchetes histéricas da imprensa. Analistas de queixo caído. Mercado em ritmo de rock.
Para compor o monumento de papel crepom e prata, um renitente Jorge Amado surge na porta do banco, em patético sinal de protesto. Artistas da Globo revelam-se apavorados diante da perspectiva de retenção de seus salários.
Como diz a canção: ano que vem, mês que foi, é a mesma dança, meu boi.

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