São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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O exemplo de Waldvogel

MARCELO LEITE

Enquanto o país dispuser de brasileiras como Mônica Waldvogel, jornalista no SBT, será supérflua a proposta apoiada por Ruth Cardoso de separar para mulheres 30% das vagas no Congresso ou qualquer outro setor. Seu exemplo corajoso -o de Waldvogel- fará mais para despertar vocações públicas femininas do que qualquer reserva de mercado.
Waldvogel ousou o que muitos próceres da República não têm peito de fazer: enfrentar o senador Antônio Carlos Magalhães, vulgo ACM. Uma das maiores fraudes da cena política brasileira, como indicou Clóvis Rossi na Folha de anteontem, mas construída com o beneplácito de uma imprensa sequiosa por frases de efeito e bravatas de ocasião.
A jornalista foi uma das primeiras a ir ao centro da questão, obrigação da imprensa. Sem meias palavras. Referindo-se ao hábito cultivado pelo senador baiano de vender denúncias e não entregar -neste caso, contra o Banco Central que enfim cumpria sua obrigação-, Waldvogel perguntou se não era chantagem.
Isso mesmo: chan-ta-gem. Na lata. Uma ave rara na floresta de salamaleques. ACM perdeu o rebolado via Embratel, seu antigo feudo: ``Eu não faço chantagem. Se eu fizesse chantagem, eu iria me parecer com as suas perguntas".
Reação típica do neocoronel, que na falta de argumento apela para a tentativa de intimidação. Considera-se acima da lei e dos bons costumes: ``Me respeite". Não colou.
Para a sorte do Brasil, o desenrolar do noticiário na semana se encarregou de mostrar que ACM estava nu, inclusive de majestade. Não é o vice-rei do Brasil, nem o imperador da Bahia. Há quem duvide de seu cacicado no PFL. Pode terminar como relações-públicas de um banco quebrado pela incúria de seus convivas.
Num debate sobre ética e jornalismo, terça-feira, defendi a idéia de que o único, o verdadeiro poder da imprensa é destruir reputações. Fui contraditado pelo advogado Luís Francisco Carvalho Filho, que lembrou o poder que a instituição tem de controlar as autoridades. Obviamente, ele tem razão, embora prefira encará-lo como dever, e não poder.
No caso Econômico/ACM, ocorreu uma dramática erosão da autoridade presidencial. Como há males que vêm para bem, aquelas duas faces incongruentes da imprensa concorreram de forma involuntária para levar às cordas o mais que temido senador baiano.
De lá ele só vai sair se a mesma imprensa voltar a sucumbir a seu duvidoso charme ``midiático". Se tiver brio, vai impedir que -de impropério em impropério, de voto em voto, ou de ameaça em ameaça- encha de novo o papo.

No armário
No mesmo dia do debate no auditório da Folha, o jornal publicou em sua pág. 3-7 uma foto chocante, no sentido pleno da palavra. É a imagem que pedi para ser reproduzida acima, com uma coluna de largura (na terça-feira, foram duas).
Na crítica interna da edição, pus o procedimento em dúvida (mais tarde, dois leitores procurariam o ombudsman para reclamar da imagem):
``Por que e para que publicar a foto do cadáver? Para mim, não traz qualquer informação e não combina com a sobriedade da Folha. Além disso, pode ser tomada como violação da dignidade da pessoa que morreu. Foi autorizada por algum parente, ou só pela polícia?"
Alguns jornais norte-americanos têm por norma não publicar imagens de pessoas mortas. Essa regra só é rompida nos casos em que o interesse público transcende os limites daquele drama humano e as convenções do gosto. O corpo da menina nos braços do bombeiro de Oklahoma é um exemplo já clássico.
O ``Novo Manual da Redação" não contém regra explícita para esses casos. Informalmente, existe a norma de não publicar tais imagens na Primeira Página -mas, num país como o Brasil, sucedem-se as exceções plenamente justificáveis, como nos massacres do Carandiru, Nova Brasília, Corumbiara.
Pessoalmente, acho preferível contar com uma regra formalizada e geral, como a dos norte-americanos. A obrigatoriedade de discutir as exceções, abrindo um espaço para interrogação, provavelmente impediria a edição de fotos como a que o leitor encontrou acima.
Se fosse você, publicaria?

O caso ``Revista"
No último domingo, a edição Nacional da Revista da Folha deixou de circular em algumas regiões vizinhas da cidade de São Paulo, como o ABCD, além do litoral do Estado. A alteração provocou protestos de leitores, sobretudo assinantes (30 procuraram o ombudsman, até sexta-feira).
O motivo do corte, como explicou o jornal em nota lacônica nos exemplares distribuídos nessas regiões, é economia de papel. Em dois anos, o preço desse insumo subiu 120%.
Não me cabe discutir o acerto da decisão empresarial. Do ponto de vista dos assinantes, porém, vejo alguma procedência no argumento de que teriam direito adquirido, porque pagaram adiantado por um jornal que tinha uma revista.
O diretor de Revistas, Caio Túlio Costa, que foi também o primeiro ombudsman da Folha, considera ``dolorosa" a medida. Ressalva, contudo, que o lançamento da revista não representou na época ônus algum: ``O leitor, em nenhum momento, pagou a mais -nem na assinatura, nem no preço de capa- para ter a revista, ela sempre veio como um `plus' no jornal".
Embora correto do ponto de vista formal, como me parece, o argumento do direito adquirido é mesmo problemático. Levado às últimas consequências, impediria a transformação do jornal, pois sempre há assinaturas começando e acabando.
Trata-se de um produto vivo, que muda todo dia, e nessa mudança contínua provoca decepções em alguns e cai nas graças de outros. Se positivo, o saldo traz aumento de circulação.
Resta perguntar se um jornal existe só para crescer. Mas isso já é outra história.

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