São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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FHC 2?

ALOIZIO MERCADANTE

O episódio do Banco Econômico foi uma grande lição política para o país. Em primeiro lugar, revelou a precariedade da política de fiscalização do Banco Central sobre o sistema financeiro. Por sinal, fato que já estava claro para a opinião pública desde a CPI de Collor, com as ``contas fantasmas" e tantas outras falcatruas.
Os milhares de clientes do Banco Econômico são vítimas não apenas da administração irresponsável e incompetente de Angelo Calmon de Sá e sua diretoria, mas também da omissão do Banco Central em uma de suas funções fundamentais.
Em segundo lugar, o Banco Central foi incompetente na crise. Permitiu uma discussão pública sobre as dificuldades do banco que abalou a "credibilidade" da instituição e precipitou uma corrida bancária.
No dia anterior à intervenção, pelo menos R$ 500 milhões podem ter sido sacados, beneficiando os "espertos" e agravando a situação de milhares de correntistas totalmente vulneráveis à irresponsabilidade administrativa da diretoria do Econômico.
De outro lado, a intervenção nos três bancos deflagrou uma corrida aos bancos de segunda linha, grandes clientes mobilizaram seus recursos e fragilizaram outras instituições, aumentando o volume e o número de bancos que estão no redesconto.
Em terceiro lugar, será que essa crise projetou no cenário político nacional um FHC 2? Um presidente fraco, que se humilhou diante da chantagem grotesca de um arrogante senador da Bahia.
Mais do que isso, um presidente que não cumpriu o acordo assinado com os petroleiros, rompeu o compromisso com os ruralistas, que não respeitou as cotas para a indústria automotiva negociadas com a Argentina pela sua própria equipe econômica.
E um presidente vacilante e indeciso, cheio de idas e vindas, que aumentam a insegurança geral do país. Um desgaste muito forte para tão pouco tempo de governo.
Em quarto lugar, essa crise é parte de um processo mais amplo da inadimplência generalizada na economia, que começou na agricultura, atingiu a indústria, depois o comércio e agora o próprio sistema financeiro.
A Casa Centro, Casas Pernambucanas, Faro, Mesbla e o setor têxtil, de calçados, de autopeças são a ponta de um imenso iceberg de vítimas da política de juros "escorchantes" praticada pelo governo.
A generalização da inadimplência, concordatas e falências sinalizam o início de um processo recessivo construído por uma taxa de câmbio insustentável, por uma irresponsável âncora cambial que o governo continua insistindo em manter e que exige taxas de juros criminosas e importações predatórias que estão arrebentando parte do setor produtivo do país.
Porém, o fato mais grave de todo esse episódio é a hipocrisia neoliberal. Os defensores intransigentes do Estado mínimo querem um estado intervencionista e forte quando se trata de defesa de seus interesses privados. Os mesmos que defendem a privatização de empresas rentáveis e estratégicas como a Vale do Rio Doce querem a "estatização" de um banco quebrado.
A histórica política de nossas elites tupiniquins de socialização dos prejuízos e privatização dos lucros, como dizia o brilhante Celso Furtado. A desprivatização do Estado é o grande desafio de nossa democracia. A CPI sobre o caso do Econômico é um instrumento extremamente importante para projetar a transparência sobre as sombras que marcam a relação entre o Banco Central e o sistema financeiro.
Sem dúvida, uma semana de muitas lições, onde o país se defronta com a natureza da aliança que elegeu FHC e, indignado pelos gestos de ACM, verifica a volta dos que nunca saíram.
O país precisa voltar a se pensar como nação, superar essa agenda imediatista e recolocar a produção, os investimentos, o trabalho como prioridades da política de governo. A política econômica precisa ser revista, corrigindo progressivamente o câmbio, baixando a taxa de juros, desmontando esse cassino de alto risco em que se transformou a política monetária do governo.
A inadimplência crescente, associada à quebra de empresas importantes, com a crise de confiança nos bancos, pode precipitar uma crise financeira que não interessa ao país. Os trabalhadores voltarão às ruas contra a recessão e o desemprego. A pressão política contra os juros e sobre o governo vai aumentar.
Mas o mais importante é que a sociedade civil reagiu imediatamente em defesa de valores, princípios e da ética. Valores que são fundamentais para acabarmos com a impunidade das elites e retomarmos um debate sobre um projeto de desenvolvimento para o Brasil.
Sem dúvida, uma semana de muitas lições para a arrogância dos poderosos, que sentiram mais uma vez a força da indignação da cidadania.

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