São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Sistema financeiro e governabilidade

ANTONIO KANDIR

Os episódios em torno da crise do Banco Econômico devem ser analisados sob duas óticas.
De modo mais imediato, importa verificar se o acordo que permitiu a estadualização do banco é ou não compatível com a continuidade do processo de estabilização.
De modo menos imediato, mas não menos importante, cabe refletir sobre as mudanças institucionais necessárias para minimizar, sem necessidade de soluções de ocasião, os abalos causados por quebra de instituições financeiras.
Quanto ao problema mais imediato, diga-se com clareza que o acordo celebrado só se mostrará aceitável e compatível com o êxito do Plano Real se for rigorosamente cumprida a condição de não haver mais nenhum centavo de recursos do governo federal aportado à conta do Banco Econômico, conforme tem assegurado o presidente Fernando Henrique.
Não pode haver dúvida de que, ao assumir o banco, em ato de coragem, o governo do Estado da Bahia e seus representantes no Congresso Nacional assumiram integralmente a responsabilidade, junto à população de seu Estado, pelo destino final do Econômico, venha ele a se recuperar ou não.
Se a condição apontada for cumprida à risca, o acordo terá se mostrado positivo para o Plano Real. Se não, será desastroso e provocará firme reação de quantos tenham compromisso sério com a estabilidade e modernização do país.
Seja qual for o desenlace, no entanto, o episódio não deve ser visto como circunstancial. Ele mostra a absoluta necessidade de dotar o país de meios permanentes de proteção contra a gestão irresponsável de instituições financeiras. Com esse objetivo, duas propostas merecem, a meu ver, especial consideração.
A primeira é a criação de um seguro-depósito, de modo a minimizar o impacto de intervenções ou liquidação de instituições financeiras sobre seus correntistas (conforme artigo 192 da Constituição, inciso 6, ainda não regulamentado). O seguro deveria garantir créditos, aplicações e depósitos até determinado valor e seria lastreado em fundo formado com recursos dos próprios bancos.
Na fixação do valor assegurado é importante haver bom senso. A fixação de valor muito elevado estimularia comportamento de risco da parte das instituições financeiras e, no limite, tornaria financeiramente inviável o seguro. O objetivo deve ser proteger os pequenos correntistas, que são maioria e estão menos capacitados a avaliar a solidez da instituição financeira a que confiam seus recursos.
A segunda proposta é a criação de uma instituição com a incumbência específica de normatizar e fiscalizar o sistema financeiro. A importância de que seja instituição separada do Banco Central está em que a função que desempenharia é distinta da função de zelar pela moeda, típica do Banco Central (mostra a experiência internacional que o acúmulo de ambas as funções, no contexto de crescente sofisticação do sistema financeiro, e principalmente em meio a processo de estabilização, tem produzido resultados negativos).
Além de especializada, essa instituição deveria ser independente e dotada de instrumentos que permitissem a ela interferir, com antecipação, na gestão de instituições financeiras que apresentem sinais de crescentes dificuldades.
Instituição do gênero já existe em outros países. Um dos princípios básicos da atuação dessas instituições é a ação corretiva antecipada. A norte-americana FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation), por exemplo, frente a sinais de que uma instituição financeira enfrenta dificuldades sérias, tem o poder de obrigá-la a se capitalizar, bem como de impedi-la de distribuir dividendos.
Em contraste, o Banco Central do Brasil, que acumula as funções de guardião da moeda e fiscalizador do sistema financeiro, além de outras, não dispõe de instrumentos adequados de ação preventiva, o que leva os problemas a se agravarem e amplia os abalos quando a ação da autoridade monetária se torna inadiável.
A autoridade monetária no Brasil está hoje em situação semelhante à de um médico que, diante de sinais de infecção na perna do paciente, não dispõe de antibiótico para deter o processo, mas apenas de um serrote para amputar o membro quando este já estiver condenado. Recomenda a prudência que não se deve continuar assim.

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