São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Arquitetura da mente

Grupo brasileiro estuda os fenômenos cerebrais

JOSÉ LUIS SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Há no Brasil um grupo de pesquisadores que se dedica com exclusividade ao estudo da ciência da cognição, disciplina que tem por objeto o cérebro e os fenômenos mentais. É o GCC (Grupo de Ciência da Cognição) do IEA-USP (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo).
O grupo é coordenado pelo psiquiatra Henrique Schtzer Del Nero e dele fazem parte dez profissionais de diversas áreas, como a física, a biologia e a engenharia, entre outras. Em lógica-matemática, o grupo é assessorado por Newton da Costa, reconhecido em todo o mundo como um dos maiores lógicos vivos. O grupo promove palestras e debates e já produziu cerca de 50 artigos, publicados na Coleção ``Documentos" do IEA e em revistas estrangeiras.
As pesquisas realizadas pelo grupo representam no país uma parcela do que no mundo há de melhor em ciência da cognição. A ciência da cognição é uma espécie de superdisciplina formada a partir da neurociência, da psicologia, da computação, da linguística, da física, da lógica e da matemática, entre outras. Ela parte da idéia de que o cérebro, para produzir o pensamento, faz uma série de operações, e que essas operações a princípio podem não só ser descritas como reproduzidas artificialmente.
A ciência da cognição comporta toda uma série de linhas de investigação, muitas vezes contrárias entre si. No Brasil, talvez pela inexistência de verbas e tecnologia para grandes experiências, ganhou força uma forma abstrata de pesquisa, que depende mais de criatividade individual do que de tecnologia de ponta, acerca da chamada "rede neuronal.
A "rede neuronal é um modelo que reproduz o processamento de sinais elétricos no cérebro. "O cérebro é basicamente um amontoado de sinais, que podem ser captados, por exemplo, pelo eletroencefalograma, diz Del Nero. "O que tem ocupado alguns de nós é uma tentativa de modelagem lógico-matemática do sinal cerebral, completa.
O que se supõe, quando se procura desenhar a estrutura do cérebro humano, é que, isto feito, seja possível reproduzir artificialmente a inteligência do homem. A pesquisa de Del Nero encontra-se no estágio, ainda bastante modesto se se tem em vista a ambição do projeto, de construção teórica de um mecanismo que, ao reconhecer bifurcações no caminho percorrido por um sinal, seja capaz de diagnosticar a razão pela qual a informação foi enviada para um ponto, e não para outro, do cérebro. "Minha pesquisa, diz ele, "parte do modelo matemático do sinal e procura saber como o organismo, a partir do próprio sinal, o envia para o cerebelo, responsável pelo comportamento automático, ou para o lobo frontal, provavelmente responsável pela consciência.
Nesse ponto, ganha sentido a analogia entre cérebro e computador. O princípio mais elementar da computação é fornecido pela chamada máquina de Turing, dispositivo mecânico capaz de governar seu comportamento em função das informações nele introduzidas (leia texto nesta página). Se o sinal cerebral contém em si a informação que determina o seu próprio destino, é possível que haja semelhança entre o funcionamento do cérebro e o do computador.
O conhecimento do destino dos sinais também ganha importância quando se quer sabe o que é a consciência. "As arquiteturas artificiais da mente, diz Del Nero, "ainda não oferecem perspectiva alguma de modelagem da consciência. O que se tem, acerca da consciência, são pistas. Imagina-se que o organismo forje a consciência pela sincronização de grupos de neurônios, que durante alguns milésimos de segundos passariam a funcionar em harmonia.
A pergunta, então, se mantém: qual é a natureza do sistema nervoso central para que seja possível a emergência de fenômenos mentais, como o pensamento, as emoções e a própria consciência? A esperança de Del Nero é que isto possa ser respondido pela matemática. É aí que entra o trabalho de Newton da Costa.
Para Aristóteles, qualquer objeto ou é ou não é alguma outra coisa, e não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Um cavalo, diria Aristóleles, pode ser ou não ser alado, jamais as duas coisas simultaneamente. É como se Costa dissesse para Aristóteles: existem sistemas de informação em que não se tem como saber se uma coisa é isso ou aquilo, e, nesses sistemas, sua lógica não funciona. Faz-se então necessária uma nova lógica. Se consistência significa inexistência de contradição interna ao sistema, a lógica criada por Da Costa é paraconsistente, uma vez que se posiciona para além da contradição.
A lógica paraconsistente já foi utilizada em vários modelos computacionais que manipulam informações contraditórias entre si. Exemplo disso é um "sistema especialista apto a diagnosticar enfermidades do coração a partir de dados oferecidos por cardiologistas. Sabe-se que mesmo os grandes especialistas divergem uns dos outros, e a máquina precisa então operar com contradições na análise de cada caso.
A idéia de Del Nero e Da Costa (que se diz um ``leigo bem informado") é a de que o cérebro é um desses sistemas mecânicos que manipula informações contraditórias. "Minha intuição é a de que a sua estrutura só pode ser compreendida pelo uso da lógica paraconsistente", afirma Da Costa. ``Não sei, e não creio que alguém saiba, o que é a alma, mas acho que o cérebro talvez seja um conjunto de máquinas cuja estrutura é muito mais que a simples reunião e conexão destas máquinas. Esta estrutura talvez seja a alma humana", especula.

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