São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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O sexo do cérebro

PAULO FERNANDO SILVESTRE JR.
DA REPORTAGEM LOCAL

O cérebro pode ser o responsável pela tão falada dificuldade de comunicação entre homens e mulheres.
Dois estudos independentes demonstraram este ano que, para certas atividades, homens e mulheres usam o cérebro de forma diferente.
Em ambos os casos, os pesquisadores utilizaram mapeamento de áreas do cérebro durante o desenrolar de tarefas por voluntários de ambos os sexos.
Segundo eles, os resultados são tão evidentes que praticamente eliminam qualquer possibilidade de conclusões equivocadas sobre a homogeneidade do uso do cérebro por cada sexo e sobre a diferença entre homens e mulheres.
"Os resultados eram tão claros e se apresentavam de uma maneira tão evidente a partir dos dados, que não estariam sendo influenciados por efeitos ambientais, disse à Folha, por telefone, Ruben Gur, pesquisador do Departamento de Neuropsiquiatria da Universidade da Pensilvânia (EUA).
Segundo Gur, chefe da equipe responsável pelo estudo, "efeitos ambientais não se apresentam de maneira tão clara. As conclusões foram publicadas na edição de 27 de janeiro da revista científica americana "Science.
Os pesquisadores usaram tomografias baseadas na emissão de pósitrons (partícula subatômica semelhante a um elétron, mas com carga positiva) para estudar os voluntários.
Apesar do nível de atividade nas regiões do cérebro ser semelhante em homens e mulheres, a equipe de Gur detectou assimetrias entre a atividade nos dois hemisférios cerebrais e diferenças de intensidade de acordo com o sexo.
Os pesquisadores verificaram que os homens apresentavam maior metabolismo do que mulheres na região conhecida por límbico-temporal (normalmente associada às emoções) e no cerebelo.
Isso comprovaria, segundo a equipe, a suspeita de que há um fundamento biológico para as diferenças emocionais e cognitivas entre homens e mulheres.
Em consequência, mulheres têm chance de se sair melhor que homens em tarefas verbais, enquanto homens teriam maior facilidade para serviços motores.
Isso significa que, no que se refere ao controle emocional, homens preferem se expressar de maneira mais instrumental, como por agressões físicas, enquanto mulheres fazem uso de uma mediação simbólica, discutindo a questão de forma verbal.
"Desde crianças, os meninos têm menor inclinação a chorar quando você os deixa sozinhos que as meninas. Ao contrário, eles tentam encontrar você, batem na porta e até mesmo gritam, enquanto as meninas, numa situação como essa, são mais propensas a sentar e chorar, disse Gur.
Uma equipe da Universidade Yale (EUA), liderada por Bennett Shaywitz, chegou a conclusões semelhantes um mês depois.
Segundo seu estudo, "homens e mulheres falam realmente idiomas diferentes. Os cientistas usaram ressonância magnética para medir a atividade cerebral de voluntários de ambos os sexos, enquanto eles realizavam diferentes tarefas que envolviam linguagem.
"Nós estudamos 38 indivíduos destros (19 homens e 19 mulheres) enquanto eles realizavam tarefas visuais ligadas ao reconhecimento de letras, rimas e conjuntos, disseram os pesquisadores na edição do dia 16 de fevereiro da revista científica "Nature.
Para essas tarefas, os homens utilizavam principalmente uma região do cérebro conhecida por giro frontal inferior esquerdo, enquanto as mulheres usavam também outras áreas do cérebro, em ambos hemisférios.
Segundo os pesquisadores, isso explica por que lesões no lado esquerdo do cérebro acarretam danos na fala. Além disso, sugere uma justificativa para a melhor capacidade de recuperação do problema entre as mulheres.
Os homens, por outro lado, obtiveram melhores resultados em testes que pediam que se imaginasse a posição de um objeto depois que ele efetuava uma rotação no espaço.
Gur não soube precisar se essas diferenças existem no cérebro desde o nascimento. Mas, segundo ele, "quando você vê uma diferença biológica tão evidente, você assume que isso é verdade desde o nascimento.
Os pesquisadores da Pensilvânia identificaram homens cujo padrão cerebral era semelhante ao comumente apresentado pelas mulheres. A recíproca também aconteceu. Algumas mulheres tinham um cérebro que se comportava de maneira análoga ao dos homens.
Questionado sobre se isso poderia ser algum sinal de homossexualismo, Gur preferiu não se comprometer. "Nós não sabemos se essas pessoas eram homossexuais. Nós não fazíamos esse tipo de pergunta aos voluntários. Mas estamos fazendo isso agora.
O pesquisador não quer que sua pesquisa seja apontada como mais um suposto sinal de que o homossexualismo tenha fundamento biológico. "Isso poderia ser possivelmente um substrato biológico para homossexualismo, mas precisaria ser investigado no futuro.
Gur também rejeitou a possibilidade de que pessoas tenham suas habilidades de alguma forma rotuladas devido às suas conclusões.
"Parece-me que a única maneira de ser justo é julgar as pessoas pelo que elas podem fazer -e não por ser homem ou mulher, negro ou branco, ou seja lá o que for.
Isso se aplicaria, por exemplo, ao caso de seleção de pessoal para o preenchimento de vagas profissionais. No caso de um emprego onde as emoções sejam mais importantes que a força, as mulheres se sobressairiam naturalmente no processo de seleção, segundo ele.
"Você não tem de dizer que está procurando somente mulheres. Você apenas diz: esse é o trabalho. Provavelmente as mulheres farão o trabalho melhor. Você apenas seleciona os candidatos e há uma chance muito grande de que essa pessoa, para esse trabalho, seja uma mulher, concluiu o cientista americano.

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