São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Mente humana é resultado da seleção natural

VANESSA DE SÁ
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Como o cérebro, uma massa de "carne, originou a "mente, que muitos chamam de consciência ou razão? Para o pesquisador norte-americano e prêmio Nobel de 1972 Gerald Edelman, só há um modo: seleção natural, o mesmo proposto por Charles Darwin há mais de um século.
A origem da consciência é, para Edelman, um dos temas mais polêmicos do século. Não à toa.
O pesquisador afirma que a maioria de nós ainda "odeia pensar que a "essência do ser humano, a sutil diferença que o faz diferente de outros primatas, seja simplesmente produto de uma rede que liga neurônios, as células nervosas, a outros neurônios. Uma reação em cadeia que envolve apenas células e seus produtos químicos -os neurotransmissores.
Os neurônios ligam-se uns aos outros através das sinapses. Existem cerca de 120 bilhões de neurônios no córtex cerebral, a camada mais externa do cérebro.
Se pudéssemos olhar para trás, alguns milhões de anos, veríamos que foi exatamente aí que a evolução parece ter agido.
O aparecimento de sulcos cada vez mais acentuados levou a um aumento significativo na área total do cérebro, o que, em outras palavras, significa, um maior número de neurônios num mesmo espaço. Mas será que isso foi suficiente?
Para Edelman, é inútil analisar, como se faz com circuitos de um computador, apenas o número de neurônios e suas possíveis conexões, que chegam a alguns trilhões. Mas a consciência parece ter emergido justamente daí.
Edelman sustenta que o cérebro se aproxima de um ecossistema complexo. Uma floresta, diz o pesquisador.
A conexão entre os neurônios não é predeterminada, como um chip, mas algo que evoluiu para competir com as circunstâncias impostas a todo momento ao longo da vida.
Edelman sugere que, se houvesse predeterminação dos neurônios, esta se assemelharia a um programa de computador escrito antes de um fato acontecer, o que incapacitaria antecipar a multiplicidade de situações que um organismo tem de enfrentar a todo momento.
Edelman vê a seleção natural como o único processo capaz de ter originado a consciência. De certa forma, para ele, neurônios poderiam ser considerados como indivíduos de uma população que lutam pela sobrevivência.
A seleção natural, no nível dos neurônios, agiu, segundo Edelman, de três modos ao longo do desenvolvimento do cérebro.
O primeiro, chamado "seleção do desenvolvimento mostra como a anatomia do cérebro se desenvolve principalmente antes do nascimento. Antes de o órgão estar completamente formado, os neurônios literalmente viajam dentro do tecido em formação. Edelman se refere a esses neurônios como ciganos, que caminham através do córtex pré-natal.
Alguns originam outras células, outros morrem ao longo da viagem, e outros aderem a outras células.
Em circunstâncias apropriadas, diz ele, moléculas especiais de adesão surgem para ligar neurônios, formando uma sinapse. Para Edelman, essa migração quase ao acaso mostraria que os padrões de conexão entre neurônios não são predeterminados pelo programa genético, como nos circuitos de um computador.
À medida que os neurônios se conectam uns aos outros, a circuitaria básica é formada. Várias redes de neurônios formam configurações chamadas de mapas. Há várias centenas de mapas, ligados a diferentes funções.
Para o pesquisador, as mensagens contidas nos genes apenas fornecem as linhas gerais para que cada neurônio encontre seu eventual lugar dentro do cérebro.
Edelman compara o fenômeno às leis que regem uma população livre na natureza. A consequência disso seria que os cérebros, apesar de parecerem todos iguais anatomicamente, não o são.
Para ele, cada pessoa, mesmo gêmeos idênticos, tem redes de conexões diferentes. Cada rede, sugere Edelman em seu livro "Neural Darwinism (Darwinismo Neural), é resultado da ação natural, que leva a uma estrutura final capaz de fazer o indivíduo competir com o mundo.
Depois do nascimento, a seleção do desenvolvimento pararia de agir, surgindo a seleção experimental, na qual os bilhões de conexões são fortalecidos ou enfraquecidos.
Esse processo dirigiria o desenvolvimento do cérebro. Aqui mais uma vez agiria a seleção de Darwin: aquelas conexões que provam ser mais úteis de responder às informações que vêm do mundo externo estão mais aptas a se ajustar do que aquelas que não são e assim são selecionadas.
Edelman postula que alguns valores instintivos básicos, como tato e paladar, são hereditários e fornecem a base para selecionar as conexões que efetivamente vão "trabalhar. As conexões que levariam a "interpretações malsucedidas perderiam a competição.
O terceiro modo de ação da seleção natural no cérebro explica como os mapas, sinapses e circuitaria se desenvolvem sem que haja um plano predeterminado. Edelman chama o fenômeno de reentrada. Isso seria, segundo ele, a chave para o pensamento, a memória e a consciência.
O "processamento paralelo permite que a entrada de informações -uma imagem, por exemplo- dispare vários potenciais de ação (o modo como a mensagem caminha na célula nervosa) entre grupos em diferentes mapas simultaneamente. O efeito acumulado desses milhões de conexões disparando em paralelo seria o resultado bem sucedido da atividade neural.
Segundo Edelman, o processamento paralelo seria comparável a um quarteto de cordas sem um maestro. Cada músico está constantemente processando todos os tipos de sinais. O nome "reentrada vem da idéia de que os sinais estejam constantemente reentrando, numa espécie de circulação constante.
Um exemplo seria o que acontece com a visão. O centro visual tem cerca de 30 diferentes "localizações no cérebro. Juntos, os centros visuais dão origem à imagem que se vê conceitual, consciente e perceptivelmente como uma só.

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