São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Glia deixa de ser órgão passivo

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Dois são os tipos principais de células do cérebro: os neurônios e o conjunto chamado glia (do grego cola).
Os neurônios, há muito identificados e desde então objeto de meticulosas pesquisas, são responsáveis pelas funções de elaboração, recepção e transmissão (comunicação) de sinais.
Esta última é feita por meio de neurotransmissores. Os neurônios comandam todos os atos sensitivos e motores, a cognição, a memória, o aprendizado, etc.
Às células da glia, apesar de muito mais numerosas (9 para 1), sempre se atribuiu mera função de sustentação física da rede neuronal. Seriam, pois, elementos simplesmente passivos.
Há pouco mais de 20 anos, esse quadro começou a mudar à medida que se foi descobrindo, especialmente em culturas de células, que os elementos gliais também participam das atividades fisiológicos do cérebro, contribuindo para a nutrição dos neurônios e até mesmo com eles se comunicando, além de fabricarem importantes fatores de crescimento.
Essas atividades são desempenhadas por diversos tipos de células gliais.
No embrião em desenvolvimento, diz John Travis ("Science, 266, 950), células gliais dirigem os neurônios errantes para seu destino e contribuem para determinar o tipo de célula neuronal em que cada um deles se transforma.
Nos organismos maduros, as células de Schwann, no sistema nervoso periférico, e os oligodendrócitos, no cérebro e na medula espinhal, produzem a mielina, substância gordurosa que envolve os terminais nervosos, enquanto a micróglia funciona como sistema imune.
Outro tipo celular glial é o astrócito estrelado, que produz nutrientes para os neurônios vizinhos e os ajudam na transmissão de sinais, parecendo mesmo que trocam sinais com os neurônios.
Enfim, cresce dia a dia a descoberta de novas funções gliais, existindo há cinco anos uma revista especializada só nesse assunto ("Glia). A glia deixa, pois, de ser órgão passivo.
Fato importante é a produção de fatores de crescimento (substâncias que contribuem para o desenvolvimento celular) pela glia.
Esses fatores prometem ações terapêuticas na recomposição do cérebro e da medula. Alguns deles, industrialmente produzidos, já têm sido clinicamente experimentados, ou se acham em vias disso, em doenças degenerativas como Parkinson, Alzheimer, esclerose múltipla, assim como em perturbações do neurônio motor, caso, por exemplo, da esclerose lateral amiotrófica.
Um dos mais importantes fatores parece ser o GDNF, de que já falamos em outro artigo, como possível recurso no tratamento do mal de Parkinson.
Uma das funções relevantes da glia é manter limpos e desimpedidos os terminais nervosos pelos quais os neurônios se comunicam.
Essa limpeza mantém livre o fluxo dos neurotransmissores. Os atrócitos possuem, em toda a sua superfície, receptores que sugerem sua intercomunicação com os neurônios e entre si por meio de neurotransmissores.
Recentemente se destacou a possibilidade de sua participação na memória e no aprendizado.
Todas essas descobertas, feitas em geral em cultura de células, não em animais vivos, têm despertado crescente atenção da indústria farmacêutica, que prevê o aproveitamento dos fatores de crescimento no tratamento ou mesmo cura de doenças nervosas graves, entre as quais Parkinson, Alzheimer e esclerose lateral amiotrófica.
Mas isso é coisa para o futuro. O lado sombrio desses estudos é que as células gliais são causa da maioria dos tumores cerebrais.

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