São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Mercado e crítica

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Tateando às escuras, os cadernos diários de artes e espetáculos se tornaram, antes de mais nada, reféns do mercado, correndo atrás dos novos produtos (discos, livros, filmes, espetáculos) com uma sofreguidão quase nunca acompanhada por uma reflexão crítica de intensidade equivalente.
O resultado mais visível dessa operação é a transformação do texto jornalístico em uma espécie de material de divulgação dos produtos em questão. Em vez de criticados (no sentido mais amplo do verbo), estes passam a ser meramente noticiados, quando não claramente promovidos pelos jornais.
Com a ausência da crítica propriamente dita, as esporádicas opiniões negativas ou manifestações de desagrado diante de determinado produto ou fato cultural assumem um tom palpiteiro, ofensivo, maledicente.
Essa crítica sem crítica e esse ímpeto novidadeiro trouxeram como corolário uma ligeireza de linguagem e de formulação que aproxima perigosamente a cobertura cultural das colunas sociais e das revistas de fofoca.
A filosofia que norteia a adoção desse tipo de jornalismo parece ser a seguinte: quanto mais leve, frívolo e desinformado for o texto, mais chance ele tem de conquistar a simpatia imediata do leitor médio, corrompido sistematicamente pela idiotia televisiva, pela triunfante cultura do imediato e do superficial.
Assim como a literatura já foi vista como o ``sorriso da sociedade", os chamados segundos cadernos submeteram-se a uma função de refresco para o leitor atingido pelos destroços do mundo, que ele acabou de folhear no primeiro caderno.
Se nos cadernos diários dedicados ao mercado e ao showbizz o que prevalece é essa espécie de ``fast food" desinformativo, que engana os olhos mas não alimenta a inteligência, nos suplementos culturais semanais parece haver uma reação defensiva simétrica e proporcional. Os intelectuais e críticos convocados a ocupar esses suplementos o fazem com ensaios palavrosos e não raro ininteligíveis, como a querer defender sua seara da invasão dos bárbaros da incultura de massas.
Talvez soe ingênuo e anacrônico, mas o que faz falta hoje é justamente a ponte entre esses dois mundos, o da erudição e o da mídia, o da universidade e o da sala de TV. Em vez de reiterar a sabedoria para os sábios e a desinformação para os desinformados, cabe abrir janelas de ambos os lados. Fazer o acadêmico ver a TV e a TV ver o acadêmico. Cultura é troca de saberes e ignorâncias. Se conversarmos um pouco, quem sabe seremos menos burros.

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