São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Distância infinita

Uma semana depois, é forçoso reconhecer que ainda não se está em condições de fazer um balanço da crise do Econômico. Afinal de contas, a crise não acabou e a solução ainda não está à vista.
Mas a impossibilidade de uma avaliação completa não impede, ao contrário, até mesmo exige que se pense o mais detidamente possível sobre o episódio. Uma análise serena e técnica torna-se ainda mais urgente quanto mais apaixonada, politizada e corporativa torna-se a mobilização pública em torno da virtual quebra do banco baiano.
Dessa perspectiva, é imprescindível esclarecer em primeiro lugar os limites da crise. A grande falácia que nos últimos dias frequentou algumas rodas políticas foi querer transformar a quebra de um banco privado no estopim de uma crise bancária de grandes proporções.
Ou seja, há políticos querendo fazer da exceção uma regra para então, comodamente, advogar a abolição de toda e qualquer regra. Pintando o diabo encarnado, insinuam que é urgente relativizar o rigor do Banco Central. Pior ainda, há quem veja no Econômico o início de um cataclismo financeiro, análogo ao que se viveu recentemente na vizinha Argentina.
Entre as muitas razões que se poderiam alegar para desmascarar esse falso pânico há uma que é fundamental, lição velha da crise de 29: uma crise bancária e financeira é inevitável, principalmente quando não há Banco Central. Assim, limitar a ação do Banco Central, ``flexibilizá-la", na prática agravaria, e aí sim generalizaria, a crise isolada.
Quem defende um BC ``flexível" para aplacar a crise comete uma enorme contradição em termos, pois propõe que se use como remédio o que não passa de veneno.
Para ficar apenas no exemplo argentino recente, é importante ressaltar que a crise bancária resulta ali justamente da ausência de um banco central com força plena.
A lei de conversibilidade do Plano Cavallo tem um aspecto pouco noticiado que foi a extinção de uma função típica de banco central: ser emprestador de última instância, regular o crédito, a oferta de moeda e os encaixes bancários em função de uma percepção soberana de riscos sistêmicos.
Na Argentina não há propriamente moeda nacional, apenas um banco central impotente diante dos fluxos de capitais externos que condicionam implacavelmente a integridade do sistema. Quando os capitais saem, a crise bancária é praticamente automática.
O Brasil não engessou o sistema monetário, ainda que recentemente a política de crédito tenha sido de arrocho. Mas, daí a imaginar que não há banco central e que uma quebra local desata uma crise geral, vai uma distância infinita.

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