São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Apollo 13

LUÍS ANTÔNIO GIRON

Três homens se acotovelam num cubículo. Apertam botões, mexem em alavancas. Falam ao rádio, calculam com lápis e papel, observam dados. Dormem e se exercitam como podem. Seus momentos mais excitantes ocorrem quando o lugar trepida e então batem a cabeça contra as paredes de metal. Estão presos. Cai a temperatura, o oxigênio vai acabar. Não sabem se vão sair ou mesmo sobreviver. Flutuam no vácuo e na incerteza.
O cenário claustrofóbico parece ter sido tirado de uma peça do irlandês Samuel Beckett. Não é próprio para uma aventura. Mas o filme "Apollo 13", que estréia nesta semana em São Paulo, consegue fazer uma odisséia no espaço dos 8 metros quadrados de uma cabine de foguete. Mais, transforma uma missão fracassada em objeto de exaltação patriótica.

Totem abandonado
"Apollo 13" pode ser chamado de o fascínio cinematográfico da temporada das superproduções de Hollywood. Dirigida pelo obscuro Ron Howard e estrelada pelo novo herói americano, Tom Hanks, a superprodução já é o mais certo ``blockbuster" aspirante ao Oscar.
Estreou em 2 de julho, levando 20 milhões de norte-americanos ao cinema em menos de duas semanas. O público dos EUA assiste a "Apollo 13" para reencontrar um dos seus mais caros e abandonados totens: o programa espacial. E, claro, se divertir com uma história de ação que se passa praticamente numa cápsula.

Tropeço e trapalhadas
O filme se baseia curiosamente não em um êxito, mas num tropeço da corrida à Lua. As trapalhadas da Apollo 13 eletrizaram o mundo. Logo depois, por uma dessas curiosidades da idade eletrônica, a massa se lembrava mais da epopéia de Gilgamesh do que do fiasco astronáutico.
O programa espacial também ganhou a pátina de um capítulo da "Ilíada", de Homero. Iniciado nos anos 50 como arma principal da Guerra Fria, ele culminou com a chegada à Lua pela nave Apollo 11, em julho de 1969, quando Neil Armstrong e Buzz Aldrin andaram
pelo Mar da Tranquilidade lunar durante duas horas e 31 minutos.
Era a concretização de uma promessa do presidente John Kennedy. Pouco antes de morrer, em 1963, jurou que um americano pisaria na Lua antes de 1970. Deu trabalho à Nasa. A agência espacial jogou todas as fichas no programa Apolo.
Entre 1968 e 1972, a agência lançou 11 naves com objetivo de conquistar a Lua. Sete delas, a partir da Apolo 11, se dirigiram ao satélite. Ficaram famosas as transmissões televisadas diretamente da areia cinzenta. Somente uma não conseguiu alunizar, a Apolo 13.
Por ironia, a divisa da missão era: "Ex Luna, scientia", da Lua, a ciência. Entre 11 e 17 de abril de 1970, Jim Lovell, comandante da nave, e Jack Swigert e Fred Haise, pilotos, tiraram da Lua foi um susto. A explosão de um tanque de oxigênio e o vazamento de outro no terceiro dia da expedição, 13 de abril, fez o trio errar pelo espaço. Perdeu a Lua por um detalhe. Muitos culpam a alta frequência do número 13 na aventura.
A junção de oxigênio e nitrogênio, proveniente de outros dois tanques, resultava em eletricidade, água e calor para a nave. O colapso do oxigênio causou 110 horas de agonia, durante as quais a nave ameaçou se extraviar no éter, circundou a face escura da Lua, cruzou a estratosfera, arriscando-se a derreter, e caiu no mar do Japão.
Entrementes, os cosmonautas sobreviveram ao frio de 40 graus negativos e falta quase total de ar e eletricidade. Resgatados em Iwo Jima, ganharam condecoração de Nixon. Triste prêmio de consolação para Lovell, que sonhava em pisar nas montanhas Fra Mauro da Lua, destino primeiro de sua nave.

Herói abortado
Se o mundo esqueceu do episódio, este se fixou na memória do Lovell. Hoje, aos 67 anos, o ex-cosmonauta vive no Texas e teria se projetado ao anonimato, não lançasse no último ano o livro ``Lost Moon" (Lua Perdida), escrito em terceira pessoa, em parceria com o jornalista científico Jeffrey Kluger.
A narrativa é um bom thriller e um muro de lamentações do herói abortado. Ali Lovell lembra ter sido o primeiro bípede a entrar em órbita da Lua, com a Apollo 8. O feito, transmitido via satélite para a Terra no Natal de 1968, provocou furor. Mas os terráqueos o deletaram da memória um dia depois.
A amnésia pública ajuda no marketing do produto. Ron Howard leu o livro, se deu conta do fato e o recomedou à produtora Imagine Entertainment. Esta comprou no último ano os direitos de adaptação do texto de Lovell. Acabou de ser lançado em formato de bolso, com o título trocado, para lucrar com o sucesso do filme. Virou "Apollo 13", o livro. A adaptação segue o livro com fidelidade quadrúpede. O filme quer ser uma simulação quase idêntica ao episódio original.

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