São Paulo, terça-feira, 22 de agosto de 1995
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"Vamos mudar o Brasil, doa a quem doer"

Vamos ter de enfrentar um tabu que se chama estabilidade. O funcionário, como trabalhador, como um cidadão, ele precisa ser bem considerado, ele merece condições de trabalho. Ele não pode ter o seu futuro à mercê discricionária de um governante, mas não é possível também que o governo não tenha condições, quando se torna desnecessária a utilização de certo tipo de funcionário, de ter algum mecanismo que preserve a sociedade de um gasto inútil. Então, nós precisamos aí criar, dentro do conceito de estabilidade, não é acabar com a estabilidade, é defini-la de uma maneira mais adequada.
Há a possibilidade hoje na Constituição de demissão, mas em dois casos é preciso haver uma regra específica. Um caso diz respeito ao funcionário: e se ele não for competente? Vai ser estável? Por que a sociedade há de pagar eternamente? Aí dirão ``mas quem julga a competência?". E têm razão. ``Quem defende o funcionário?" E têm razão. Nós vivemos num estado de Direito, ele tem direitos, portanto não se trata de uma dispensa arbitrária, tem de haver um mecanismo de julgamento em que ele se defenda.
Em segundo lugar, mesmo que ele seja, digamos, incompetente. Ele é um ser, um cidadão, um ser social. O Estado tem de fazer como a empresa privada, tem de ver mecanismos de ressarcimento. Tem de ver dentro de que condições poderá eventualmente pô-lo em disponibilidade. Quais são as regras de disponibilidade proporcional, tempo de serviço, algum mecanismo de flexibilização, e, por outro lado, é preciso que haja mecanismos também de extinção de cargos.
Sempre pedindo às Câmaras de Vereadores, sempre pedindo às Assembléias, sempre pedindo à Câmara, para evitar o quê? O arbítrio, e quando se tiver, por alguma razão, de diminuir a máquina, que há de ser enfrentada a questão, não é diminuir hoje para nomear amanhã os apadrinhados políticos. Não, extingue o cargo e não pode nomear.
Mas algumas medidas nessa direção de refazer o sistema jurídico, de mostrar que há uma diversidade, por exemplo, entre militares e civis, para dizer a mais flagrante. Por exemplo, entre certas carreiras típicas de Estado que exigem, como juízes, como professores, como diplomatas, que exigem certas garantias diferentes daqueles que são do regime mais consentâneo com a legislação trabalhista, tem de haver. Nós vamos propor nessa direção e temos o apoio aberto, explícito, nítido dos governadores. Não se trata, portanto, e está longe de mim uma atitude de arrasar quem quer que seja, mas de firmeza sim. Não fui eleito presidente da República para ser complacente com as coisas que são equivocadas, com os privilégios, com as desigualdades, e isso nós vamos marchar nessa direção.
Finalmente, eu quero também enfatizar a importância da reforma previdenciária. Já está lá no Congresso. Já está no Congresso, nós estamos discutindo. Não está lá para ficar morta nas prateleiras. Está lá para ser levada adiante, com a abertura que o governo democrático deve ter sempre.
A sociedade e o Congresso são partes constitutivas de um processo de mudança. O Executivo não presume ter toda a verdade encerrada nos seus atos. Está aberto à discussão racional. Está aberto à negociação pública, mas não está de forma nenhuma cruzando os braços nem vai cruzar os braços.
Nós vamos continuar mudando o Brasil. Vamos continuar mudando o Brasil, doa a quem doer. As incompreensões podem existir, as más apreensões dos momentos podem acontecer, mas o governo não muda o rumo. O rumo foi dado, eu mostrei nos quadros. Nós sabemos o que estamos fazendo. A sociedade sabe que é assim, e nós vamos continuar assim. A Previdência vai ter que ser modificada, porque ela é injusta. Há uma proporção muito pequena dos que controlam uma massa enorme de recursos, em comparação com uma massa imensa de trabalhadores, que não têm uma aposentadoria digna, e nós não podemos deixar de prestar atenção a isso.
Do mesmo modo que na questão da aposentadoria do serviço público, sobretudo em alguns municípios, eles não têm nem sequer as caixas de compensação para capitalizar e para amanhã poder pagar a aposentadoria. Tudo isso vai acabar no Tesouro. Não é justo. Não é justo que toda sociedade trabalhe e o Estado extraia recursos através (sic) dos impostos e isso seja distribuído de maneira que não é mais consentânea com o ideal de equidade.
Não se trata de fazer reforma pelo amor a perseguir quem quer que seja, mas se trata de levar o país não só a ter mecanismos mais racionais, mas, sobretudo, mais justos, com menos privilégios.
Têm razão os trabalhadores quando discutem e vieram a mim várias vezes para dizer ``presidente, nós estamos de acordo com a reforma desde que seja contra os privilégios". Nós estamos dispostos a discutir nesta perspectiva qualquer tópico, inclusive, de tempo de serviço. Qualquer tópico, mas nós não podemos parar aquilo que é hoje um mandato que o presidente tem deste país, que é continuar as reformas.
E chamo a atenção que isso não depende de reforma constitucional, mas o governo está empenhado na criação de fundos de pensão, que sejam capitalizados. Por quê? Para que nós possamos aumentar a taxa de investimento, como foi mostrado aqui, nós precisamos aumentá-la. Nós precisamos de recursos próprios. Não vai bastar o recurso que vem de fora com o investimento estrangeiro, que está crescendo bastante. Nós vamos precisar de recursos próprios.
Quando está havendo agora a privatização, eu me recordo que aqueles que criticavam diziam ``ah, vão desnacionalizar a indústria brasileira". Não houve um só caso de ``desnacionalização". Até lamentamos que não haja vindo mais capital estrangeiro, espero que venha. Mas o que aconteceu foi que os fundos de pensão das estatais, juntamente com o capital nacional, permitiram a privatização. Imaginem os senhores se nós tivermos mecanismos para que o conjunto da população, na complementação de sua aposentadoria -e é claro que, em um país de pobreza como o Brasil, o Estado nunca deverá se desobrigar de uma base de sustentação da aposentadoria-, mas a complementação, em vez de ser feita via Tesouro privilegiando alguns sem que ninguém saiba, vier a ser feita pela cotização de cada um de nós em fundos de pensão.
Nesse momento nós disporemos de -eu vou dizer um número forte, os ministros não vão tremer- centenas de bilhões de reais, porque nós temos, com a capitalização existente, cerca de 30 ou 40 bilhões em fundos constantes em estatais. Então, se nós generalizarmos isso, nós teremos centenas de bilhões de reais que assegurarão o quê? O crescimento da economia brasileira de forma permanente, contínua, sustentada.
Esses são os objetivos da reforma. Nós não estamos reformando por amor a mudar as coisas. Nós não somos constituintes. Nós não estamos querendo mudar toda a Constituição. Nós vamos respeitar ao máximo os direitos, porque a Constituição assim manda e é dever nosso. Mas nós não vamos parar. E não vamos parar, porque estão ligadas as coisas, a reforma se faz para a continuidade daquele quadro que eu lhes apresentei aqui, que, apesar das dificuldades tópicas, o governo tem confiança, certeza de que tem condições de levar adiante o seu programa de transformações do Brasil no plano econômico, generalizando o bem-estar social da população.
Eram essas as palavras que eu queria trazer ao lhes dizer que estamos enviando esta semana a reforma tributária e a reforma administrativa e, se possível, ainda em julho, se possível não, no mês de agosto vamos mandar o Imposto de Renda de pessoa jurídica e, em seguida, pessoa física, e aí sim a pessoa vai sentir mais diretamente o benefício da diminuição das alíquotas, desde que nós consigamos, como estamos fazendo um grande esforço, que haja compreensão por parte de toda a sociedade, inclusive dos tribunais na questão de que é indispensável desindexar, desindexar para valer, e que o Congresso vote a medida provisória de desindexação do salário na confiança de que não é só o salário.
É tudo. É um Brasil sem inflação. Um Brasil onde as mazelas vão aparecer mais facilmente, mas onde também as virtudes de quem trabalha, de quem se organiza, de quem tem racionalidade, de quem prevê, vão dar resultados mais satisfatórios.
Muito obrigado. Respondo às perguntas.

LEIA
a entrevista coletiva à pág. 1-12

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