São Paulo, terça-feira, 22 de agosto de 1995
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"Vamos modificando, é um processo"

Leia abaixo a íntegra da entrevista coletiva concedida ontem pelo presidente Fernando Henrique Cardoso

TV Globo - Presidente, para aprovar todas essas reformas, o governo precisa de uma forte base de sustentação no Congresso Nacional. O PFL foi fundamental nesse processo no primeiro semestre.
Eu gostaria de saber se, com a crise do Econômico e a ameaça de parte do PFL baiano de ir para a oposição, primeiro, eu gostaria de saber se o senhor considera a possibilidade dessa oposição e, segundo, se, com essa oposição, a grande consequência da crise econômica passaria a ser então um problema na aprovação das reformas no Congresso. Terceiro, se, por outro lado, essa oposição ajudaria a separar o PFL que de fato apóia as reformas e o programa do governo.
FHC - Primeiro, eu não vi do PFL, de nenhuma parte do PFL, qualquer alusão a não aprovar reformas ou a ir para a oposição. Tenho estado em contato com a direção do PFL e a atitude é outra.
A atitude é de compreensão, de absoluta necessidade das reformas e de presteza em ajudar o governo a cumprir um programa que é comum e que foi apresentado na campanha eleitoral de forma comum.
Ninguém apoiou o presidente da República e o programa de campanha na pressuposição de que mais adiante não cumpriria. O PFL não tem manifestado a mim senão a confiança na continuidade das reformas.
As reformas não são para partidos, são para o país, são necessidades nacionais, são imperativos nacionais. Então, eu creio que não vai haver nada disso. Não vamos confundir alhos com bugalhos. Na verdade, o problema do Econômico é um problema circunscrito e, ao meu ver, do ponto de vista político, superado.
CBN - Presidente, o governo propõe uma reforma radical no Imposto de Renda de pessoas jurídicas. Por que o mesmo não está sendo feito nesse momento com o Imposto de Renda de pessoas físicas?
FHC - Mas está, é que em seguida virá o das pessoas físicas. Não dá para fazer tudo de uma vez só, porque até a assimilação das idéias fica perturbada. Mas certamente virá também uma modificação no Imposto de Renda de pessoas físicas, na forma de projeto de lei, a tempo oportuno para o Congresso avaliar, aprovar, modificar, segundo o seu critério.
TV Record - Gostaria de saber se o governo não teria evitado todo o desgaste político que sofreu com a intervenção do banco Econômico se o Banco Central trabalhasse completamente fora do alcance de pressões políticas. Em caso afirmativo, se o senhor tomaria essa iniciativa e quando é que isso poderia ser feito para tornar o Banco Central independente.
FHC - É, essa é uma matéria de suma importância. Eu imagino que o Congresso deva agora terminar essas reformas e se debruçar sobre ela. Que tipo de independência, que tipo de relacionamento...
Eu acho que o artigo 195, se não me falha, da Constituição, é o artigo 192, que lida com sistema financeiro, tem de ser regulamentado. E não só nisso, aproveitar a oportunidade, por exemplo, para criar-se aquilo que nunca se conseguiu, um sistema de seguro de depósitos bancários.
Para que o Banco Central possa operar de uma forma que não tenha a toda hora de responder, ah, o que você está fazendo com o depositante fulano de tal, beltrano, pobre.
É verdade que não tem proteção, é preciso que haja um seguro. Não havendo esse seguro, toda vez que o Banco Central tenta agir, a sociedade reage, por motivo de justiça. Pretendemos mais justiça para com os depositantes.
Então, acho que não é só uma questão de Banco Central independente, é uma questão de todo o sistema financeiro pensar de uma maneira mais condizente com o momento atual. Nós vamos mandar algumas propostas, sobretudo nesse sentido dos seguros, e estamos abertos para ver que tipo de independência se vai propor, porque há muitas experiências, formas diversas.
Eu devo dizer que o nosso sistema, embora não haja uma independência na lei, pelo menos desde o tempo do presidente Itamar até hoje, o Banco Central tem atuado com toda independência.
O governo não tem tomado nenhuma medida que contrarie a base técnica do Banco Central. Eu acho que é fundamental assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda nacional. O Banco Central tem de ser posto nessa perspectiva, como é que ele contribui para assegurar o poder de compra.
Rádio Jovem Pan - Senhor presidente, este caso do Banco Econômico acabou repercutindo politicamente no governo e no Congresso Nacional. Eu gostaria de saber se o senhor mantém a sua palavra de não investir dinheiro do Tesouro no Banco Econômico e se o senhor tem, eu não diria medo, mas o senador Antônio Carlos Magalhães o intimida?
FHC - Olha, essa pergunta não tem sentido. Nós temos que olhar essas questões do ponto de vista do interesse público. Não é desse fulano ou beltrano. Quem é que pode intimidar o presidente da República? Se ele está cumprindo um mandato, ele tem consciência do que faz, clareza de propósitos? Ninguém!
A não ser a própria consciência do presidente. E é em função dessa consciência que eu atuo. Agora, é preciso também que a sociedade no seu conjunto perceba que as coisas já mudaram, que quando se entra num processo de discussão de negociação, esse processo não há de ser escondido disso ou daquilo.
Não, não, as coisas são muito claras, muito fáceis de serem explicadas. No caso do Banco Econômico, eu acho que estamos agora passando a fazer tempestade em copo d'água. Isso é um assunto que já está nas mãos de quem deve estar, discussão entre os interessados e o Banco Central.
A minha preocupação é: dá para salvaguardar os interesses dos depositantes? Dá para fazer com que funcione o banco, que um interesse regional da Bahia é legítimo, repito, né?
E, recursos do Banco Central nunca estiveram em cogitação, a não ser que os que ele já tem lá. A pergunta é outra: como é que o Banco Central atua de modo a preservar a recuperação dos recursos que lá estão?
Agência RBS - Presidente, um dos pontos mais polêmicos sobre a sua reforma tributária é o fundo de compensação dos Estados, que vão perder os Estados exportadores. O senhor já falou um pouco sobe isso, mas o senhor poderia nos detalhar melhor isso e nos confirmar se é realmente esse ponto que impediu que a reforma fosse para o Congresso na semana passada e que fosse hoje.
FHC - Não, não. Não é isso que está impedindo, não. Nada impede que ela vá hoje. A não ser, digamos, questão de datilografia ou dessa natureza. A questão relativa à forma de compensação é a seguinte: 10% do IPI -nós estamos acreditando que isso deve gerar R$ 1,3 bilhão, R$ 1,4 bilhão e, por outro lado, nós estamos considerando que nós vamos também passar o Imposto Territorial Rural para os Estados.
Por outro lado, nós acreditamos que o aperfeiçoamento do recolhimento do ICMS, através dessa conjugação de esforços entre a União e os Estados, também aumentará a receita desses Estados. Então, nós temos aí, alternativas de compensação. E aqui, o que há é o empenho total, do presidente e do governo, no sentido de que haverá a compensação. E a hora é uma questão de cálculo e de verificar como é que se faz essa compensação.
Mas o princípio está mantido, e os governadores estão informados disso. É sempre fácil, antes de ver o texto, fazer críticas, depois que se vê. E, sobretudo a disposição do governo. Isso aqui não é um governo que diz uma coisa e faz outra. Não, nós fazemos o que dizemos que vamos fazer.
Podemos errar, mas corrigimos quando há erro, porque nós estamos numa democracia. Mas nós não estamos aqui para enganar Estados. Ao contrário, é fundamental para a saúde da União, das finanças da União, que haja saúde das finanças dos Estados. Porque, se não, não adianta. A crise é fiscal, não é da União, é do Estado brasileiro.
Devo dizer, que os Estados estão fazendo esforços nesse sentido. Devo também dizer que as empresas estatais, no primeiro semestre, geraram um superávit. Nós estamos com as contas públicas sob controle, há três ou quatro anos já.
E, para isso, é preciso que os Estados tenham recursos. Nós não temos uma visão União contra os Estados. Não, não. É Estados, União e municípios juntos, a favor do Brasil.
O Globo - Bom dia, presidente. Embora o senhor já tenha garantido que Tesouro não vai entrar com nenhum tostão para tentar salvar o Banco Econômico, o presidente do PFL ontem disse que esse prejuízo tem de ser repartido entre o Tesouro e os bancos privados.
O ministro Malan está em negociação com os bancos privados desde sexta-feira. E o presidente do Banco Real adiantou ontem que os bancos privados estão dispostos a honrar os pagamentos dos correntistas, dando um empréstimo ao Tesouro. Dessa forma, o Tesouro, mais uma vez, seria envolvido nessa negociação. O senhor concorda com essa proposta? E, uma outra questão. Por que que o ministro Malan é que está à frente das negociações e não o presidente do Banco Central?
FHC - Veja, não existe nenhuma hipótese de empréstimo ao Tesouro. Primeiro, isso não é matéria para o presidente da República. Segundo, isso é matéria para o ministro Malan, que é o chefe do Banco Central e do presidente do Banco Central. São eles é que estão discutindo. Terceiro lugar, o que o presidente do PFL, o doutor Jorge Bornhausen disse, e ele é uma pessoas bastante objetiva quando fala, e muito construtivo, foi uma outra coisa.
É que eu disse aqui há pouco. É que o Banco Central tem recursos envolvidos. Do que se trata é verificar qual é a melhor maneira para restabelecer condições do Banco Central reaver recursos envolvidos, se possível, de o banco funcionar e de garantia dos depositantes, embora não haja seguro nem obrigação legal por parte do governo.
Nós não estamos aqui num braço de ferro. Aqui não há disputa nem de personalidades, como, a todo instante, eu vejo aí tentarem fazer a disputa pessoal. Não há esse jogo. Para quem é presidente da República ou ministro desse governo, a nossa responsabilidade é publica, é muito maior do que isso.
Nós estamos pensando no que é melhor para o Brasil e para o Banco Central. De modo que, quando nós dizemos que não vamos botar dinheiro, é o seguinte: nós não vamos pagar para que os donos do banco fiquem com o banco, nós não vamos pagar para que haja uma solução em que os novos proprietários levam a custo zero o banco.
Nós vamos criar condições para o banco, se possível, para o banco funcionar e, como já há recursos envolvidos, nós temos de calcular no longo prazo, como é que esses recursos voltam.
Infelizmente, no Brasil, está havendo uma politização de matérias que não deveriam estar sendo politizadas, porque não dizem respeito a disputas, nem regionais, nem pessoais, nem deveriam ser objeto de discussão como esse grau, como vou dizer, de desconfiança generalizada. Poderia ser matéria de análise objetiva, como é que se otimizar os resultados.
No limite, como é que se pode perder menos. Que o banco ficou numa situação muito difícil, ficou. E é curioso que o debate saiu do principal. O principal é: como é que esse banco chegou a esse estado? Quem são os responsáveis por isso, que não são nem eu, nem o senador Antônio Carlos, nem o Banco Central.
IstoÉ - Bom dia, presidente. Desde que o senhor tomou posse, várias medidas foram tomadas para reduzir o ritmo do crescimento econômico. O remédio foi bastante amargo, provocou uma quebradeira de algumas empresas, grandes empresas atacadistas, e até houve algum estrago no sistema bancário. Algumas medidas depois disso foram tomadas para amenizar, mas o aperto continua. A pergunta é: o que que ainda falta para que o Brasil retome as taxas de crescimento do início do ano?
FHC - Veja você, as taxas de crescimento do início do ano são insustentáveis. Nós queremos um crescimento sustentado, porque elas apontavam para um crescimento de 12% a 15% ao ano.
Então, 12% a 15% forçará uma importação enorme, o que vai provocar crise cambial, e haverá escassez de oferta, o que vai provocar também subida de preços. Não é essa nossa política.
A nossa política não é de fazer de conta que nós já podemos crescer a 10%, 12%, quando ainda não podemos. Nossa política é de dizer ao país com clareza: se nós conseguirmos crescer durante um período dado a 5%, 6%, e nós mantivermos a estabilidade, ou seja, a inflação sob controle, se nós refazermos os mecanismos de investimento, aí sim, o Brasil passa a ser um país que deu um salto.
Um salto não se dá com pirotecnia. Então o governo evitou que houvesse o que outros governos não fizeram, que por amor a que fosse possível dar a impressão de que dá para crescer, pisou no acelerador. Não vou dar exemplos históricos.
Nem me refiro à história da década de 80 só, não. Nós não fizemos isso, porque nós somos responsáveis. Nós preferimos arcar com o ônus de responder perguntas como essa, que são corretas na pergunta, do que simplesmente enganar o país e dizer, não, já cresceu tudo, está tudo resolvido. Nós nunca dissemos isso.
Nós sempre dissemos que a estabilização é um processo, é um esforço, o governo está fazendo o que tem que ser feito. Agora, a taxa de crescimento continua muito forte, não se iludam, a taxa de crescimento continua muito forte. Há alguns problemas setoriais, e claro que os que são afetados não querem saber da média, querem saber do que toca a eles próprios, e eu entendo isso. E o governo também tem até de tomar atenção a situações particulares, de segmentos específicos. Mas não pode perder de vista o horizonte.
O horizonte está dado por esses números aí. Eu vejo com frequência análises baseadas num fato isolado. Uma grande empresa foi à falência ou foi à concordata. Ela vinha vindo provavelmente há dez anos. Quando veio o processo de estabilização, tudo aquilo que a inflação encobria, que você vai levando para adiante, empurrando com a barriga, não pode mais.
Então, a estabilização provoca esse tipo de desajuste. Mas quem ganha? Quem ganha é o povo. Porque antes, quem estava pagando a conta desses desajustes não serem cobrados era o povo, via inflação.
Agora, o povo continua comendo um pouco melhor, embora haja e tenha havido prejuízo para A, B ou C. E o nosso governo não está fazendo um programa para beneficiar os que já foram beneficiados a vida toda. É um programa para beneficiar a maioria do Brasil, que é silenciosa, nem protesta. Agora, vai mexer com interesses organizados. Um banco que deu um problema. O Brasil treme. Não sei se o Brasil treme.

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