São Paulo, terça-feira, 22 de agosto de 1995
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"Vamos modificando, é um processo"

O Estado de Minas - Bom dia presidente. Presidente, há dois meses, eu me lembro de uma entrevista que o sr. deu a um jornalista estrangeiro e que foi reproduzida no nosso jornal. O sr. dizia, e eu cito: ``nunca pensei que fosse tão fácil governar o Brasil". Hoje, depois das crises do Econômico, do Dallari, do ACM, da base de sustentação no Congresso, o sr. continua com a mesma opinião?
FHC - Continuo, continuo tranquilamente. Primeiro, que essas crises, como eu disse aqui, são muita tempestade em copo d'água. Dallari, tempestade em copo d'água, quer dizer, não foi crise de coisa nenhuma. Um problema que ele mesmo resolveu, segundo o entendimento dele, o julgamento dele. E, quanto eu saiba, na Comissão da Câmara, foi sob aplausos.
A questão do Econômico é uma questão limitada que tomou esse vulto, que eu acho que é nocivo ao bom encaminhamento da questão do Econômico, mas é normal. Nós estamos fazendo um imenso esforço de mudança do Brasil, de estabilização, imagina só e crise de base política eu só vi nos jornais, porque não houve nada.
Quer dizer, ninguém a mim veio dizer isso ou aquilo. Aos que vieram, eu dei as explicações correspondentes. E eu confio muito, não é na minha capacidade, como dizem de vez em quando, de articular politicamente. Não é isso não. Eu confio no país. Essa é que é a diferença. Eu confio no Brasil, no povo, na sociedade. As pessoas entendem, as pessoas sabem discernir e percebem o que é jogo de cena, o que é realidade, o que é boato, o que é verdade.
Há um círculo menor de pessoas que se alimenta muito mais dessas perplexidades que nós todos produzimos, até mesmo com palavras, que às vezes se diz que podiam ter sido poupadas de serem ditas e que são logo, imediatamente, maximizadas.
Mas, na verdade, o grosso do Brasil não está nessa não, está na outra que eu mostrei aqui. Está acreditando no país. Eu não acho difícil governar um país que quer melhorar, um país que voltou a ter auto-estima.
Não fui eu quem trouxe auto-estima ao Brasil. Ele é que tem auto-estima. Voltou a ter auto-estima. Um país que hoje, lá fora, você que lê as revistas estrangeiras, sabe qual é o julgamento que fazem de nós. Um país que tem investimentos em proporção crescente. Não há semana que eu não receba grupos informando sobre novos investimentos no Brasil. Um país que sacudiu a poeira.
Você acha que é difícil governar? Difícil era ser ministro da Fazenda quando nós tínhamos aqui uma inflação de 40% ao mês, de 30% ao mês, e quando nós tínhamos um Congresso que, é verdade, naquele momento, não tinha condições de fazer mais nada, porque já tinha passado por um processo traumático de um impeachment e de uma crise da Comissão do Orçamento.
Então, não havia interlocutor político. Eu, sim, sei o que foi isso. Vocês foram testemunhas de eu ir lá para o Congresso batalhar sozinho muitas vezes para conseguir que houvesse um voto numa coisa óbvia.
Hoje, não, hoje nós temos um Congresso, que tem noção das coisas, que votou reformas importantíssimas, e o Brasil nem comemorou essa transformação -o Senado acabou de aprovar três emendas constitucionais da maior importância, e com uma votação enorme, com muita competência por parte dos líderes e do presidente da Câmara e do Senado, que foram muito competentes e leais não para comigo, para com o país, estão comprometidos com as reformas.
Ora, um país que tem líderes políticos comprometidos com as reformas, que tem uma população que, apesar de tudo, entende, sustenta, não é? Que a toda hora, nos índices de aprovação do governo, pode haver uma avaliação aqui, outra ali, mas na média é uma aprovação consistente, por quê?
Porque nós estamos fazendo a coisa de boa-fé, com sinceridade. Um país que permite isso, meu Deus, por que vai ser difícil governar? É fácil, é só nós termos, como eu tenho, vontade decidida e boa-fé.
TV Manchete - Bom dia presidente. O governador do Rio Grande do Sul, Antônio Brito, é um dos críticos mais enfáticos da reforma tributária que o senhor está apresentando hoje. Segundo ele, a reforma devia ser mais ousada, com maior redistribuição de tarefas e maior redução de impostos.
Segundo ele, a reforma é tímida porque o Palácio do Planalto não quis ousar mais por falta de espaço político. No entanto, o governador Antônio Brito, ele apóia a proposta de reeleição para presidente e a criação de um grande partido social-democrata, vindo da fusão do PSDB com dissidentes do PTB e PT.
A primeira pergunta é se o sr. confirma a criação desse partido já numa possível reeleição e como o sr. recebe as críticas de falta de respaldo político do governador Antônio Brito?
FHC - Em primeiro lugar, a questão de partido, eu não tenho a menor idéia. Eu acho que o meu governo é um governo baseado em vários partidos e o presidente da República não está favorecendo esse ou aquele, nem o próprio partido, e não está realmente, neste momento cuidando, dessa matéria, nem acha que ela tenha, neste momento, prioridade para o governo, eu não sei.
Com relação à reforma tributária, só agora é que ela começa a ser conhecida. Só agora é que ela irá para o Congresso, não só no aspecto direto de mudanças constitucionais, mas também nas modificações que alguns deputados estão propondo e também modificações nas leis de Imposto de Renda.
E vão então verificar que é uma reforma que de tímida não tem nada, o que ela é é sensata, não é? Eu nunca acreditei no grande plano salvador. Eu disse isso a minha vida inteira, que um dos maiores, digamos assim, atestados de subdesenvolvimento é a idéia de que se resolve tudo com o ovo de Colombo.
Não quero fazer referência a como se acabar a inflação com um tiro só. Esse tipo de atitude não é madura. Esse tipo de atitude não é condizente com um país que já está com um grau de desenvolvimento que o nosso tem.
Porque, se o governo imagina que vai botar de pernas para o ar um sistema tributário, esse governo é um irresponsável, e o governador Brito pensa como eu. Eu espero que o governador Brito, em função dos esclarecimentos que ele está tendo da reforma, venha se juntar, eu tenho certeza, a nós nessa reforma.
Vai se juntar a nós nessa reforma. E, mais ainda, essa reforma modifica muita coisa, e mesmo aqueles que falam que é preciso ser mais audacioso -é preciso que digam no quê.
Aliás, o Congresso vai receber a reforma e pode ter a audácia que quiser. Quanto mais audácia, desde que essa audácia não seja uma falta de juízo, desde que ela assegure um caminho estável para as finanças públicas e para as empresas e para os cidadãos, o presidente apóia.
Não há problema nenhum. Agora, nós não queremos excluir nenhuma forma de proposta que venha do Congresso, inclusive, no que diz respeito às compensações para os Estados. Estamos abertos.
Repito, este aqui é um governo de gente séria, de gente simples, de gente de boa-fé, e eu acho que são competentes os ministros. Nós sabemos o que estamos fazendo, de modo que nós não tememos nenhuma alteração que vier. Pelo contrário, porque se querem ter algum caminho que permita passos maiores, o presidente endossa de braços abertos.
Agora, essa reforma, os efeitos são positivos, são consistentes e produzem modificações muito grandes na direção que todo mundo quer. Simplifica o sistema de impostos, diminui o número de impostos, eu não falei ainda porque não é o momento, o que nós vamos fazer com as contribuições sociais, como é que nós vamos aliviar a folha de impostos, mas o Brasil está sendo mudado em muita coisa, e é preciso vir cada coisa a seu tempo.
Eu disse sempre, se lembram quando vocês me atormentava com cem dias de governo? Que eu dizia, isso é uma coisa equivocada. Isso é uma coisa que não tem sentido. É uma coisa para espetáculo, para pirotecnia.
Nós não temos que ter cem dias, nós temos quatro anos de governo. Eu dizia também, e continuo dizendo, nós vamos reformar durante todo o tempo. Vamos modificando, é um processo. Só que nós estamos já nesse processo, o país está nesse processo, e a reforma tributária, essas emendas que nós estamos mandando e mais as medidas legais, infraconstitucionais, fazem parte desse processo e desencadeiam outras mudanças, até mesmo dentro do Congresso. E o Brito vai ser um dos maiores aliados nisso.
TV Bandeirantes - Presidente, durante a entrevista e nas diversas respostas sobre o Banco Econômico, o sr. disse primeiro que era um problema que politicamente estava resolvido, depois que esse não é um assunto de matéria do presidente da República.
Finalmente, o sr. disse que, infelizmente, houve uma politização no caso. Eu pergunto ao sr: a gente deve ler nessas palavras uma autocrítica do presidente que na terça-feira recebeu o senador Antônio Carlos Magalhães, a bancada da Bahia e o governador da Bahia para tratar da intervenção do Banco Central em um banco privado?
FHC - Veja, no momento em que uma bancada pede audiência ao presidente, o presidente dá, tanto mais que ele parte do suposto, que é verdadeiro, de que essa bancada e os que a lideram estão com o propósito de boa-fé de resolver um problema.
Agora, os aspectos técnicos, foi o que eu disse há pouco, não são meus, são do Banco Central. Os aspectos técnicos. Quanto mais nós pudermos agora nesta fase, que já estão clara quais são as intenções de cada uma das partes, porque elas já são claras, cabe muito menos uma ação minha ou da bancada e muito mais uma ação do governador, do seu secretário de Fazenda, dos seus homens técnicos com o ministro da Fazenda, o presidente do Banco Central e os técnicos, é isso o que eu estou dizendo.
TV Bandeirantes - Não se trata então de uma autocrítica?
FHC - Mas também não tenho medo de autocrítica, não. Se vocês acharem que eu errei ou se eu mesmo achar, eu acho que quem não tem coragem de fazer autocrítica não pode realmente falar com o país.
Uma pessoa que é presunçosa não inspira confiança ao país. Talvez eu pudesse ter sido, enfim, menos condescendente nas audiências e tudo bem, quem sabe, mas não é o meu jeito.
Eu gosto de falar com as pessoas e não acho que tem, não o fiz com qualquer outro propósito senão o de tentar resolver um problema que é real. E acho que as pessoas que me procuraram vieram com a mesma intenção.
Nunca disse o contrário disso, nem creio no contrário disso. Querem resolver, às vezes a gente não tem a percepção global como eu próprio posso não ter e não tenho em muitos casos.
Nós queremos é manifestar até politicamente o interesse real por um problema local, problema dos que têm dinheiro lá, o problema da irmã Dulce, com suas atividades lá, o problema do aposentado, por que não, meu Deus?
Agora, a forma de fazer isso eu não posso me imiscuir nela. Nem eu, nem os outros políticos, porque não corresponde a nós isso, corresponde chamar a atenção, dar o quadro dentro do qual nós queremos que haja um processo de solução, mas a solução não pode ser imposta de fora para dentro àqueles que entendem efetivamente do manejo tão complexo da questão financeira.
TV CNT - Presidente, mesmo com todo o esforço do governo, a reforma da Previdência está parada no Congresso. O sr. anunciou que vai retomar agora as negociações sobre a reforma. O que vai mudar? Qual vai ser a estratégia do governo para tirar essa reforma do papel?
FHC - Bom, o governo já pediu, através de seus líderes, já entraram em entendimento na Câmara, a criação de um fórum no Congresso para que o próprio Congresso possa acrescentar elementos de informação e de ajuizamento.
O ministro da Previdência, por sua vez, está em contínua conversa com os sindicatos, com as centrais sindicais, com aquelas que se dispõem a conversar, naturalmente -e eu espero que todas-, para ver quais são os problemas que afetam mais diretamente os trabalhadores e que soluções podem ser dadas de modo a que os direitos sejam preservados, não é?
Já está em franco processo, e nós agora, terminada essa negociação em nível do Congresso, nós já teremos condições para definir com mais clareza com o ministro e com as lideranças o que pode ou não pode ser aprovado já.
Reuter - Boa tarde, para muitas pessoas, os fatos da semana passada mostram as dificuldades que o sr. enfrenta no Congresso, especialmente, em termos de pressões políticas de partidos e grupos organizados sobre temas específicos.
Parece que a cada semana mais uma demanda está sendo colocada em sua mesa. E quais os desafios que o sr. enfrenta em superar essas pressões e qual a estratégia que o sr. tem para fazer isso?
FHC - Veja, por sorte, para o Brasil nós vivemos numa democracia. Numa democracia, as pressões afloram. Quando não é democrático, também há as pressões, só que o povo não sabe. Aqui todo mundo sabe das pressões. São tão poucas.
Realmente, nessas reformas todas, que são reformas de muita profundidade, digamos, as reações foram, na sua imensa maioria, reações de convergência.
Tentativas de mudar aqui ou ali, mas explicando por quê. Não houve, digamos, um bloqueio. O Congresso não bloqueou. Por que vai bloquear agora? Não vai bloquear não.
Há muito, e eu repito, há uma tal disposição do governo de enfrentar, porque isso é verdadeiro, nós estamos enfrentando, nós não estamos botando debaixo do tapete os problemas, ao contrário, nós estamos enfrentando os problemas.
Eu realmente sou muito confiante. Acho que essas reformas terão acolhida no Congresso. Eu repito o que eu digo sempre: acolhida no Congresso não quer dizer que eu aperte um botão no Planalto e o Congresso vote lá. Não é assim, nem deve ser assim. Fui senador por tantos anos, respeito o Congresso e respeito não só o Congresso, a sociedade também, os vários segmentos da sociedade.
De modo que eu acho que, havendo como há essa disposição firme de fazer, o rumo definido e uma atitude democrática de ouvir -ouvir não quer dizer conceder, quer dizer realmente prestar atenção ao argumento do outro-, havendo um argumento, o governo altera o seu ponto de vista, mas ele também tem capacidade de contra-argumentar.
De modo que eu acho, eu estou muito tranquilo quando ao respaldo que o Congresso dará, repito, não é a mim. Eu já tive o respaldo do povo. Hoje, o Congresso tem que dar respaldo é ao povo, que precisa dessas reformas.

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