São Paulo, terça-feira, 22 de agosto de 1995
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Para entender o Pacaembu em chamas

MATINAS SUZUKI JR.
EDITOR-EXECUTIVO

Meus amigos, meus inimigos, Pacaembu em chamas, Los Angeles é aqui mesmo, pânico em essepê.

Há uma violência intrínseca ao futebol. Não há como esconder, não há como negar, não tem por que ignorar.
No calcio havia toda uma coreografia de guerra, na Inglaterra o esporte teve que ser proibido por muito tempo.
Contemporaneamente, na civilizada Europa, a violência ronda os estádios da mesma Inglaterra, mas o hooliganismo existe também na Itália, na França, na Holanda, na Espanha e na Alemanha (nos dois últimos, inclusive, com graves implicações racistas).
Até no Japão, as torcidas começam a adotar um tipo de atitude mais despreendida, mais solta, que contrasta com a rigorosa disciplina do cotidiano dos jovens.

O futebol é esporte de massa. Portanto, há que buscar na compreensão da sua paixão algo do comportamento da psicologia de massas. Freud já assinalava o caráter irracional das massas.
O nazismo e o fascismo exploraram com êxito a irracionalidade das massas (ainda é atual o livro de Reich sobre a psicologia de massas do fascismo).
Há realmente traços de irracionalismo e obscurantismo no comportamento das torcidas. Walter Benjamin lembrava que o fascismo estetizava a guerra.
Existe estetização mais acabada da guerra do que os gritos, os gestos, os símbolos, a indumentária das torcidas organizadas? Os uniformes mesmo não são tentativas de ``militarizar" o torcer?

Além do componente psicológico, existe o componente social: o futebol é amado pelas classes mais baixas que, em si, já nascem com a consciência da violência da desigualdade social.
As concentrações urbanas hoje são maiores do que no início do século. O futebol cresceu com essas concentrações.
No futebol, até o milionário se transforma. Vira um descontrolado, uma criança. Mas torce sozinho. Nas arquibancadas, a descompressão coletiva libera os recalques, os estresses, as tensões, os rebaixamentos, as humilhações.
O futebol é uma droga. Letal, quando acompanhada do excesso do álcool e, agora, do crack que não é o craque.

Esta sociedade é basicamente violenta. Cultua a violência no imaginário midiático. O futebol é uma das instâncias dessa cotidiana violência moderna.
A idade industrial está acabando. A riqueza é produzida pelos serviços, pelo lazer, pelo setor financeiro. Quem, a não ser o futebol, será o último refúgio das massas despossuídas e enfurecidas?
Os técnicos, como medo de perder seus cargos, desenvolveram o não-futebol. Acabaram com o espetáculo que prende a atenção. O foco da torcida saiu de campo. Virou-se para a arquibancada.

Some-se a tudo isso o coquetel de incompetência, impunidade e passividade que existe no Brasil e o resultado é o ``apocalipse now" do Pacaembu.

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