São Paulo, sexta-feira, 25 de agosto de 1995
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Saúde empresa

ELEONORA ROCHA MENEZES

Na edição de 3 de julho último deste jornal, o professor Antônio Celso Nassif descreve, em seu artigo sob o título "Médico ou bóia fria?", a pior crise jamais vivida pela categoria médica brasileira. Dos 8.000 médicos formados a cada ano, 70% enfrentam a vida prática despreparados.
O que acontece nos bastidores das auditorias, logicamente, não é divulgado. É estarrecedor. "Doutores" que nunca deveriam ser médicos porque são potenciais causadores de desgraças e tragédias.
A implantação desordenada do INPS -primeira e maior empresa de saúde no país- há 29 anos e a autorização para funcionamento das más escolas de medicina no decorrer desse período são os principais fatos responsáveis pela caótica situação que vivemos.
É impressionante a alta rentabilidade fraudulenta do nosso incontrolável sistema de saúde. Ambulatórios e hospitais do mais baixo padrão prestando serviços, pacientes mal atendidos, pacientes e diárias fantasmas, consultas que nunca foram realizadas, materiais não utilizados, medicamentos não aplicados, diagnósticos fabricados, cirurgias desnecessárias, cirurgias não realizadas, mau uso da tecnologia avançada, unidades de terapia intensiva que de UTI têm apenas o carimbo nas papeletas e a fraudulência nas faturas. São infinitas as manobras para faturamentos fabulosos.
Os últimos três decênios viram a medicina deixar de ser uma atividade liberal para surgir uma indústria muito especial: a indústria que produz saúde. O brasileiro paga por esse produto, mas não o recebe ou, se recebe, é com má qualidade.
Culturalmente, aceitar a indústria da saúde não é fácil nem para os médicos, nem para os pacientes. Mas é uma realidade e a situação parece irreversível.
Resta, portanto, a mudança de mentalidade, abandonando o empirismo e aplicando nesta indústria os modernos processos de gerenciamento já provados em outras. Tal mudança deve começar pelo Sistema Único de Saúde.
Muita coisa mudou no exercício da medicina, mas a responsabilidade do médico não mudou e ele não deve deixar que mude. Deve assumir o novo enfoque dessa indústria que lida com a mais nobre matéria-prima, que é o ser humano. Sem deixar de ser médico, deve ser o empresário, o presidente, o gerente, o fiscal, o auditor.
Deve trabalhar sua matéria-prima em instalações adequadas e vigiar o desenvolvimento do processo desde a chegada do paciente até a saída, na feitura do prontuário, na qualidade do atendimento médico, paramédico e administrativo e na coerência das cobranças.
Como todas as organizações preocupadas com a qualidade dos seus produtos, a saúde, tanto pública como privada, não deve prescindir da auditoria médica, que é o exame analítico e pericial dos fatos consumados e é realizada por meio dos documentos, especialmente prontuários médicos.
A classe médica atravessa uma crise de desvalorização. É de sua responsabilidade exclusiva resgatar o respeito e a dignidade. A solução não está nas improvisações. Muito menos na criação de novos impostos, sacrificando ainda mais quem já contribui e nada recebe.
Os médicos devem iniciar uma luta planejada entre as entidades de classe e, de preferência, junto com as entidades governamentais, dentro de um programa de saneamento moral e educacional. Devem inserir-se na tecnologia de melhoria da qualidade.
À nossa classe não faltam o conhecimento, a seriedade e a disposição.

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