São Paulo, segunda-feira, 28 de agosto de 1995
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Fim ou começo?

WASHINGTON OLIVETTO

Erramos: 29/08/95
Dois meses se passaram e os filmes e anúncios fantasmas premiados em Cannes ainda não foram veiculados. Tanto os brasileiros quanto os estrangeiros.
Até aí, nenhuma novidade, já que eles não foram feitos para isso. E mesmo que fossem veiculados agora, não refrescariam em nada, porque o regulamento é bastante claro: só podem concorrer peças veiculadas até um mês e meio antes do festival -no caso deste ano, maio de 95.
O que sobrou dessa coisa toda foi um pequeno tititi sobre os ``premiados" na mídia especializada, alguns anúncios daqueles que os publicitários escrevem para os outros publicitários lerem e algumas declarações estapafúrdias do tipo ``Não devemos confundir marketing com criação" ou ``Cannes no fundo é um desfile de alta costura" etc. e tal.
Por sorte, os clientes trabalham muito, vivem pensando nos seus produtos e não têm tempo de ler essas coisas. Logo, os prejuízos causados por essas bobagens para a imagem do todo do negócio acabam sendo mínimos.
Outra coisa que sobrou foi uma história hilária ocorrida na Espanha. Um fantasmão espanhol premiado este ano era um filme que mostrava uma sequência de cenas de cocô de cachorro nas ruas e para cada cocô uma locução em off, que dizia: ``Este é Juanito de Tal. Esta é Mariana de Tal. Este é Pablo de Tal" etc. No final, o raciocínio, mais do que óbvio, ``Se você deixa seu cachorro fazer cocô na rua, é como se você tivesse feito", e a assinatura: ``Uma campanha da Prefeitura de..." (não me lembro do nome da cidade).
Passado o festival, a produtora do filme, orgulhosa de seu prêmio fajuto, resolveu fazer um anúncio comemorando. O título aproveitava os comentários sobre Cannes 95 e era tão ``oportunoso" e ``criativoso" quanto o filme. ``Cannes 95 fué una mierda". No layout, de novo o cocô de cachorro, e, no texto, a explicação: ``Foi mesmo, tanto que o nosso filme produzido para a agência tal para o cliente Prefeitura da cidade tal ganhou um Leão".
O anúncio foi publicado só na revista ``Anúncios", uma publicação espanhola especializada, mas acabou sendo lido pelo prefeito da tal cidade. O homem, que não sabia de filme nenhum, virou bicho: pensou que o anúncio era uma ofensa à cidade e a coisa só não acabou em processo e votos de repúdio aos autores depois de mil explicações e pedidos de desculpas.
Semana passada li que, devido à ``impossibilidade" de se controlarem os fantasmas, os organizadores do festival estão pensando em retirar do regulamento a necessidade de veiculação. A solução é igualzinha à do sujeito que encontrou a mulher transando com outro no sofá e resolveu vender o sofá.
Mas tem seu lado bom e seu lado lógico. O lado bom é que desobriga o pessoal sério de participar do festival, coisa que já vinha sendo feita por muitos informalmente e que agora vai acabar sendo feita por outros oficialmente. O lado lógico é a oficialização do que começou a ocorrer em 90, quando o festival deixou de ser um evento sem fins lucrativos para ser um evento particular, com fins lucrativos, principalmente para o Roger Hatchuel e o Jawa.
Começou com a ``desglamourização" dos eventos sociais, a queda no nível de tratamento dos jurados (e consequentemente a queda na qualidade deles), a troca do Leão tradicionalíssimo, produzido por um ourives de Veneza, por uma estatueta mais baratinha e o afastamento do Simon Dalgleish, verdadeira alma do festival.
Continuou com a implantação da mídia impressa, por um lado um visível desrespeito à tradição do festival, que sempre foi de filmes, e por outro um visível desrespeito à mídia impressa, que só foi aceita porque gera milhões de inscrições, mas é tratada como uma espécie de ``couvert" do evento de depósito de jurados de países desimportantes.
Agora, se confirmada a abertura total para os fantasmas, estará também confirmada a degringolada do festival. Ele abre mão de qualquer postura profissional para crescer ainda mais em número de inscrições de peças e delegados - já que, a partir desse critério, qualquer um pode ter seu Leão de Cannes. Não é o que interessa para quem ama a publicidade, mas sem dúvida nenhuma é uma mina de ouro para os organizadores.
Tudo isso não vai deixar o mar da Côte d'Azur menos azul, o champanhe framboise menos gelado, nem o desejo de ganhar, da maioria, arrefecido. Como diz o Chalaça, personagem de José Roberto Torero (sucesso da Companhia das Letras), ``o homem faz tudo par ouvir o tilintar das moedas, o estalar das palmas e o gemido das mulheres". Mas o fechamento desse ciclo na publicidade brasileira pelo menos deixa um saldo favorável.
Vejo com orgulho os profissionais da W cada vez mais desinteressados por esse tipo de situação artificial e cada vez mais preocupados em criar uma propaganda pertinente, sedutora, efetiva, que tenha o produto e o consumidor como heróis absolutos.
Vejo em outras agências profissionais experientes repensando ou reafirmando seus critérios e profissionais quase adolescentes perdendo o deslumbramento por prêmios fáceis e reafirmando a certeza de que propaganda só existe se existir o cliente, a agência, o veículo e o consumidor.
Só isso me dá a sensação de que todo esse meu nhenhenhém valeu a pena.
A partir de agora, acho que é hora de começar a falar de uma prima da propaganda fantasma, ainda mais nociva porque é veiculada e custa dinheiro para o anunciante: a propaganda falso-brilhante. Mas essa é uma outra história, que fica para daqui a três semanas.

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