São Paulo, terça-feira, 29 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Eles e nós

LUÍS PAULO ROSENBERG

Em seminário realizado na semana passada, economistas mexicanos, argentinos e brasileiros debateram as experiências de estabilização nos três países, procurando identificar convergências, divergências e lições relevantes para os empresários brasileiros.
Dentre as similaridades, destacam-se: a credibilidade do governo que implementa o programa de combate à inflação é ingrediente indispensável; alguma ancoragem cambial deve estar sempre presente; sem equilíbrio fiscal e privatização crescente, nenhum programa decola; desindexação salarial, ao menos parcial, é condição necessária para o sucesso. Finalmente, abertura às importações é garantia de sobrevivência do plano a surtos de açodamento de consumo.
As divergências mais interessantes foram flagradas entre os programas mexicano e argentino. Enquanto o mexicano deixa o câmbio flutuar, o argentino impõe a camisa-de-força da conversibilidade dólar-peso. Ademais, o México dissipa reservas internacionais, pois sabe que seu poderoso vizinho agirá sempre como a cavalaria salvadora, enquanto a pobre Argentina tem que poupar cada centavo e se dar por satisfeita, em matéria de relações internacionais, quando a Thatcher não está afundando sua frota naval.
Os resultados da política econômica, contudo, são muito semelhantes: desemprego forte e PIB cadente sempre que chega a hora de defender a estabilidade dos preços, sob pressão de problemas nas contas externas.
Houve consenso, entre os participantes do seminário, de que ambos os países deixaram para trás o momento mais crítico quanto à sobrevivência de seus planos: a Argentina já superou a crise bancária e volta a crescer, gerando saldo comercial positivo, enquanto o México ainda vive alta inadimplência, mas mostrando sinais de reversão nos indicadores de antecedentes. Principal conclusão: por mais adverso que seja o cenário, a aplicação consistente e obstinada dos princípios básicos de um plano de estabilidade sempre leva à vitória contra a inflação.
É esta última conclusão que nos leva a meditar, ressabiados, sobre o desenvolvimento do nosso Real. As divergências dele em relação aos outros dois programas são assustadoras.
Em primeiro lugar, nenhum plano de estabilização viu os gastos públicos crescerem no seu primeiro ano de implantação. Aqui, o ministro do Planejamento sabe como cortar R$ 4 bilhões do Orçamento do terceiro ano do plano e prefere exigir aumento de impostos: não é à toa que foi brindado com algumas sugestivas cenouras na sua última visita ao Congresso.
Em segundo lugar, todos os economistas manifestaram sua perplexidade face à taxa de juros que se pratica no Brasil, inapelavelmente inconsistente com patamares suportáveis de inflação.
Causou espanto também a sem-cerimônia com que aqui se elevam preços públicos e se preserva a indexação dos tributos, repondo a inflação passada no setor público enquanto se cobra a desindexação do setor privado.
Foi vista como violência ao espírito de um plano de estabilização a despreocupação governamental com a redução do custo empresarial, pois, além do custo financeiro, o tributário, o trabalhista, o portuário já deveriam ter sido atacados pelo Real no seu segundo ano de existência.
Ao contrário dos dois outros países, aqui ocorrem intervenções do governo na ordem econômica que geram mais descrédito do que benefícios, comprometendo a imagem do plano, como a mudança da banda cambial, a imposição de cotas sobre importação de veículos, o ziguezague no caso Econômico e a proposta de volta dos empréstimos compulsórios.
É claro que nossa economia é muito mais robusta e promissora do que as outras duas; portanto, aguenta mais desaforos. Mas até onde poderemos seguir contrariando princípios da teoria econômica sem trombar com o muro?

Texto Anterior: No acostamento; Aprovação britânica; Preço argentino; Engordando o mercado; Questão de temperatura; Na escola; Fauna tropical
Próximo Texto: Museus de empresas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.