São Paulo, terça-feira, 29 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Arquivo está nove décadas atrasado

ELVIS CESAR BONASSA; FERNANDO ROSSETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Dia 14 de abril, 1953. O pesquisador Fernando Henrique Cardoso, hoje presidente da República, subiu a pequena escada que dá acesso aos documentos guardados no Arquivo do Estado. Seu nome e assinatura estão registrados no livro de usuários.
O mesmo trajeto já foi percorrido por centenas de acadêmicos, que têm no arquivo sua principal fonte. ``Nosso acervo só é comparável ao Arquivo Nacional e talvez seja mesmo mais importante", diz o historiador Nilo Odália, diretor do Arquivo do Estado.
Importante, embora desatualizado. Responsável por selecionar entre todos os documentos produzidos pela administração pública os de interesse legal ou histórico, e guardá-los, o Arquivo do Estado está nove décadas atrasado.
Os últimos documentos catalogados são do início do século -excetuando jornais e os arquivos do Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), que foram passados à sua guarda.
O primeiro interesse de tais documentos é histórico. Há levantamentos populacionais -chamados de ``maços de população"-, certidões de nascimento e óbitos, registros contábeis da administração pública, projetos, títulos de posse e tudo o mais que a imaginação burocrática brasileira conseguiu produzir através dos anos.
Ao lado da preocupação histórica, surgem interesses financeiros. Os títulos de terras arquivados, por exemplo, podem solucionar pendências sobre quem é dono do quê. A partir dos títulos de décadas passadas, pode-se reconstruir toda a cadeia de herança, venda e compra das propriedades.
É um prato cheio para os ``grileiros", pessoas interessadas em ficar com terras que não têm donos definidos. Um manancial de provas também para a Justiça -entre os usuários mais comuns do arquivos, está o Poder Judiciário.
Qualquer documento público, para ser destruído, depende por lei de autorização do Arquivo do Estado. Como não tem espaço nem pessoal para fazer isso, a instituição deixa os documentos -desde o início do século- entulhados.
Há vários depósitos para esse entulho burocrático. Primeiro, as próprias secretarias. Em segundo, o arquivo intermediário, um galpão no bairro da Moóca, para onde são encaminhados os documentos que não cabem mais nas prateleiras e porões das secretarias. Ali, deveria ser feita uma triagem.
Kunio Suzuki, o responsável pelo arquivo intermediário, ri se alguém pergunta por que isso não é feito. Ele está sozinho para cuidar da papelada que, empilhada, atingiria 20 quilômetros.
O galpão tem várias lâmpadas queimadas (não há verba para substituí-las), vidros quebrados (não há verbas para consertá-los), infiltrações de água e goteiras (não há verbas etc.). É preciso trabalhar com lanternas.
A situação piorou com o corte de pessoal, mas o abandono dos documentos é também histórico.
Já em 1853, onze anos após a criação do arquivo, o então presidente da Província declarava em relatório: o arquivo não tem mais condições de funcionar.
A mudança para um prédio novo parecia, há dois anos, pôr fim à agonia secular. A atual sede, com 2.000 metros quadrados, iria para uma nova edificação, com 14 mil metros quadrados. Mas as obras estão paralisadas (leia texto abaixo). Falta verba.
(Elvis Cesar Bonassa e Fernando Rossetti)

Texto Anterior: Utopia é tema de debate hoje na PUC
Próximo Texto: Construção está paralisada
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.