São Paulo, terça-feira, 29 de agosto de 1995
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Questão de educação

ANDRÉ LARA RESENDE

O fenômeno do modismo é universal. A política econômica não é exceção. Algumas idéias, não se sabe bem como, entram em moda.
A independência do Banco Central está na moda. Aparece em toda lista de providências essenciais a serem tomadas e agora é citada a torto e a direito também como condição para evitar crises como a do Econômico.
Mas o que é mesmo independência do Banco Central? A verdade é que a questão é complicada.
Antes de mais nada, é óbvio que o Banco Central não pode ser um quarto poder. Portanto, deve se reportar a algum dos três existentes.
Hoje se reporta ao Executivo, embora os diretores tenham de ser aprovados pelo Senado, e assim deve ser. Ninguém imagina subordinar o Banco Central ao Judiciário, e subordiná-lo diretamente ao Legislativo não parece ser o melhor caminho para protegê-lo de pressões políticas.
O Banco Central tem normalmente três funções: conduzir e implementar as políticas monetária e cambial, servir de emprestador de última instância para o sistema bancário e regulamentar e fiscalizar o sistema financeiro.
Com exceção, talvez, da de emprestador de última instância, todas as funções são compartilhadas ou conduzidas em conjunto com outros órgãos e áreas do governo.
Basta ver a amplitude dessas atribuições e suas implicações para a condução da política econômica para entender que o Banco Central não pode deixar de estar em harmonia com os ministérios da área econômica.
A necessidade de coordenação de políticas é evidente e a falta de coordenação pode ter implicações desastradas.
Em seminário promovido pelo FMI e pelo Banco Central do Brasil, no início do ano passado em Mangaratiba, o tema foi amplamente discutido por especialistas de vários países.
Observou-se que existe muito menor correlação do que se poderia imaginar entre a independência estatutária, ou formal, e a independência efetiva ou prática. Independência no papel não basta para garantir que o Banco Central tenha de fato autonomia.
Mas há evidência de que um Banco Central formalmente independente esteja associado a baixas taxas de inflação e a baixos déficits fiscais. Ou seja, embora não haja garantia de que independência formal signifique independência na prática, os países que deram ao Banco Central maior independência formal tendem a ter menos inflação e menos déficit fiscal.
O que isso parece indicar é que, embora a independência formal não seja garantia de bom comportamento, os países que fizeram a opção política pela estabilidade e pela disciplina fiscal decidiram adotar, a posteriori, um Banco Central com as características, assim chamadas, de independência.
Há um consenso entre os especialistas de que a independência do Banco Central, seja lá como se a defina, não é uma panacéia. Todos estão, entretanto, de acordo que o Banco Central deve ter um objetivo único e bem-definido: garantir a estabilidade da moeda.
Talvez fosse, portanto, mais correto, no lugar de independência, falar em menor poder discricionário do Banco Central.
É sempre possível aprimorar a definição das atribuições e das responsabilidades do Banco Central, mas não vamos nos iludir, sua atuação será sempre, em última instância, uma questão de educação política.

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