São Paulo, quarta-feira, 30 de agosto de 1995
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Dallari e o Econômico, o público e o privado

LUIZ PINGUELLI ROSA

O caso Dallari trouxe à tona a confusão reinante sobre o público e o privado neste país -o primeiro com todas as culpas, o segundo com todas as virtudes. Nessa visão, vale tudo o que for feito a bem do privado, mesmo contra o que é público. PC Farias levou isto ao extremo e passou dos limites.
De certo modo, Dallari caiu nessa armadilha, em outro nível, compartilhando a função pública com um escritório de consultoria para empresas. Mas seu advogado indaga: e os outros?
De fato, em níveis diferenciados, essa é uma prática comum na área financeira e econômica, onde doutores de formação liberal transitam do setor público ao privado com tal frequência que fica difícil distinguir um lado do outro. Esse troca-troca inclui também os organismos internacionais e multilaterais, que nem sempre têm o mesmo interesse no país, até bem pelo contrário. Consta que o Banco Mundial vai assessorar o governo para privatizar o setor elétrico.
Há muito tempo tenho chamado a atenção em artigos, aqui, para essa questão, desde a época do impeachment e do movimento pela ética na política até recentemente, na privatização do setor elétrico, passando pelas mudanças na Constituição, em particular no tocante ao petróleo e telecomunicações.
No caso da Escelsa, procurei mostrar que a soma de créditos em favor da empresa é superior ao desembolso em dinheiro do grupo comprador, dando um resultado negativo para a União em termos líquidos. Ademais, o edital foi mudando na última hora, permitindo ampliar a receita futura sem que fosse refeita pelo BNDES a avaliação com base no fluxo de caixa descontado.
No caso da emenda constitucional do petróleo, mostrei aqui que uma empresa de petróleo multinacional reteve combustíveis, acirrando a tensão social da greve dos petroleiros. O Departamento Nacional de Combustíveis registrou esse fato e nada foi feito para apurá-lo, enquanto os grevistas foram constrangidos por tanques do Exército e seus líderes interrogados pela Polícia Federal. Dois pesos e duas medidas. Por quê?
O deputado que fez o relatório com inverdades para a quebra do monopólio teve sua campanha eleitoral financiada gordamente por uma empresa de petróleo interessada diretamente na quebra do monopólio. Isso foi politicamente ético?
Na revisão constitucional de 94 foi denunciado, como escrevi aqui, lobby de empresários que gastou milhões de dólares e classificava deputados a serem abordados em uma tipologia pouco ética.
Com os enormes valores, medidos em bilhões de dólares, dessas grandes empresas de energia e da Vale do Rio Doce, imagina-se as comissões em jogo nas suas vendas. Há escritórios de consultoria que podem envolver facilmente pessoas do governo, transacionando informações, pareceres, lobbies etc.
Na área econômica e financeira, tem havido problemas com hipotéticos vazamentos de informações: vide o famoso caso da mudança do câmbio, que motivou acusações ao então presidente do Banco Central, que terminou afastando-se do cargo depois.
É hora de atentar para o modelo de privatização do setor elétrico e para a regulamentação do petróleo, para que tais confusões entre o ético e o não-ético, o público e o privado, não se repitam. O governo deveria ser o primeiro interessado nisso, em vez de acobertar erros dos seus membros.
Acham que em favor do privado vale tudo, pois o que é público não presta mesmo e não vale nada. O caso do Banco Econômico evidencia que a privatização depende dos interesses em jogo, voltando-se a estatizar quando grupos dominantes têm a ganhar.
No setor elétrico, a bola da vez é a Light do Rio. Sou contra vendê-la, pois a prioridade da participação privada deveria ser na conclusão de obras e novas usinas, e não na compra de empresas lucrativas como a Light; mas, se é para fazê-lo, há modelos mais sérios.
O pacto acionário pode ser dado pelo vendedor -no caso a União- impondo condições no interesse público, como fez a França com o Noyau Dur, na Elf Aquitaine e na Total.
O governo de São Paulo propôs para debate um modelo para suas empresas elétricas, com o qual não concordo em muita coisa, mas que inclui o uso da ``golden share", de inspiração inglesa. Pelo menos trata o setor elétrico como um problema em si, a ser equacionado como serviço público, e não o vende apenas para fazer caixa para cobrir rombos do governo.

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