São Paulo, quarta-feira, 30 de agosto de 1995
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Diretora põe chanchada na história

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

``Carlota Joaquina, Princesa do Brazil", de Carla Camurati, a partir do dia 12 nas locadoras, é um fenômeno. Num momento em que os donos de cinemas (com poucas exceções) queriam ver filmes brasileiros pelas costas, eis que chegou uma diretora estreante, lançou seu filme e arrebentou a banca.
Para tudo isso, foi preciso alguns fatores extracinematográficos. O primeiro, principal, talvez seja a intuição de Carla Camurati. Ela percebeu na hora certa que estava terminando o ciclo de desafeição dos brasileiros pelo Brasil.
Em vez de dizer "Miami é que é bom", de repente passamos a dizer: as coisas não são fáceis, mas vamos ver como se pode sair do buraco. Nessas circunstâncias, a história do Brasil está sendo motivo de uma nova atenção.
E "Carlota" vai ao ponto. Estamos num desses momentos de fundação do Brasil: o início do século 19, quando d. João 6º, fugindo de Napoleão, traz sua corte para a colônia, eleva-a à condição de Reino Unido e prepara o terreno para a independência.
No centro, uma personagem marginal: Carlota Joaquina, a princesa espanhola casada com d. João 6º, que vê a saída da Europa como uma espécie de desterro e detesta o Brasil até o fundo de sua alma. Para Carlota, é como se Lisboa fosse a Miami de seu tempo.
Camurati faz um vasto exorcismo de nossas origens lusitanas. Uma espécie de acerto de contas, em que d. João 6º entra com majestade digna de um bobo da corte.
Passemos pelas discussões que essa visão pode suscitar -nunca será demais lembrar que é, apenas, uma visão. O importante é que Carla Camurati não apoiou nela, apenas, as chances de seu filme.
Primeiro, cercou-se de cuidados para -embora trabalhando com pouco dinheiro e num lugar ingrato como o Brasil para as reconstituições de época- criar um espaço coerente com seus objetivos.
Em seguida, recorreu à tradição da chanchada: fez uma paródia histórica. Por fim, tratou de atualizar o filão chanchadesco com um humor tipo "TV Pirata".
A esse último item podem-se creditar certas facilidades a que o filme se entrega. Partindo da irresponsabilidade como premissa, a diretora pôde ver parte da história do Brasil como piada de português. Com isso, aplainou a resistência de um público desconfiado com filmes brasileiros (vistos como incompreensíveis, ou chatos, ou o que for). Acrescentou-lhe uma imensa energia.
Ao mesmo tempo, limitou o alcance de seu filme. Na conta de perdas e danos, Carla Camurati sai ganhando: todos esperam, desde já, por um novo filme seu. Não é nada pouco.

Vídeo: Carlota Joaquina
Direção: Carla Camurati
Elenco: Marieta Severo, Marco Nanini, Eliana Fonseca
Distribuição: Europa Carat Home Vídeo (tel. 011/725-5279)

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