São Paulo, sexta-feira, 1 de setembro de 1995
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Isso é uma recessão?

MIGUEL JORGE

A queda de 3,9% do PIB no segundo trimestre do ano e o índice de -4,87%, pior resultado desde o primeiro trimestre de 1991, provoca perguntas da mídia aos executivos da indústria automobilística. As mais comuns: O Brasil está em recessão? Se estiver, como atingirá o setor? Como está sendo feito o planejamento estratégico do setor para o futuro próximo?
Apesar da queda de vendas, do arrocho ao crédito, do inchamento dos estoques, dos aumentos salariais e de todos os problemas do país que se refletem nas fábricas, parece que o setor não está propriamente em recessão.
Para entender essa colocação, seria bom voltar aos anos 80, quando o Brasil atravessou uma longa recessão, com reflexos sentidos até hoje, especialmente por causa dos baixos níveis de emprego provocados por vertiginosa queda de produção industrial, falta de investimentos e envelhecimento de amplos setores industriais.
Em seguida, vieram inflação alta, custos cada vez maiores, perda de eficiência tecnológica e paralisação de investimentos.
Esse quadro só começou a mudar quando se aproximavam os anos 90. A globalização da economia, a formação dos blocos, a abertura econômica na maioria dos países fechados e o fim de quase todas as ditaduras levariam a profundas mudanças, com efeitos no mundo todo. Aqui, em 1992, a taxa do PIB/investimento, que mergulhara no precipício dos 14,5%, se recuperava, beirando os 20%.
A indústria automobilística, com sua experiência globalizada, se antecipara aos ventos que sopravam diferente também no Brasil e que prenunciavam os rumos da abertura aqui -afinal, a Argentina, desde 1990, dera grandes passos para se modernizar e até seu regime automotriz já estava sendo aplicado no país.
Mais produtivo, mais moderno, mais eficiente, produzindo com mais qualidade e investindo pesadamente, o setor preparou-se para o crescimento que acabou chegando -na verdade, em níveis muito maiores do que o imaginado.
Foram três anos -especialmente 1994- de vertiginoso crescimento em muitos setores econômicos. O freio aplicado no primeiro trimestre de 1995 fez sentir seus maiores efeitos a partir dos últimos dois meses -mas não se pode dizer que haja surpresa num processo que, ortodoxo até a medula, só poderia ter esses resultados, exatamente os desejados pela gerência econômica do país.
Queda do ímpeto de crescimento, ajustes estruturais em busca de eficiência e produtividade ainda maiores, investimentos bem planejados, procura de novos mercados: esses são os atuais desafios do setor, que enfrenta pela primeira vez, desde a câmara setorial de março de 1992, os primeiros acidentes de percurso.
Com base nos últimos dados divulgados pelo IBGE, pode-se inferir que a queda de 8,5% na produção da indústria paulista no primeiro trimestre, embora séria, não significa o fim do emprego e a recessão.
A Volkswagen acaba de anunciar investimentos de US$ 500 milhões em duas novas fábricas. Isso comprova que, neste momento, há apenas uma conjuntura desfavorável, mas, estruturalmente, mantêm-se as condições básicas para atingir, em cinco anos, as ambiciosas metas fixadas para o setor.
O interesse de montadoras européias e asiáticas em se instalar no país, mesmo com operações de montagem, e os investimentos anunciados por empresas estrangeiras de setores econômicos completamente diferentes do automobilístico são fatos importantes que deveriam superar, em muito, o catastrofismo que transparece por todos os lados.
Para o setor automobilístico, o Brasil está numa encruzilhada -e não numa recessão-, ainda amarrado a questões que impõem decisões imediatas para que os problemas de hoje se confirmem como apenas acidentes. Precisamos conjurá-los como sintomas de uma crise e, para tanto, as maiores obrigações ainda são do governo, fato normal num país em que ainda há forte intervenção, embora indireta, no processo econômico.
Entre essas obrigações estão a definição clara dos rumos de um futuro razoável, o afrouxamento -mesmo que pequeno- das amarras monetárias, a decisão sobre obviedades (quem, santo Deus, poderá considerar o consórcio, uma poupança do indivíduo para compra de bens, o mesmo que injeção de dinheiro no sistema financeiro?), a aceleração das reformas tributárias e fiscais e do processo de privatizações.
O Plano Real tem uma estrada aberta à sua frente para resolver essas questões. É preciso, apenas, tomar decisões.

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