São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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Política marca história das telecomunicações

ELVIRA LOBATO
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo Fernando Henrique Cardoso colocou nas mãos do Congresso Nacional, na última quinta-feira, a minuta de um decreto que propõe o fim do uso político na distribuição de concessões de rádio e televisão no Brasil.
Um dos maiores caciques da história das telecomunicações do Brasil, o capixaba Rômulo Villar Furtado, que permaneceu durante 16 anos como secretário-executivo do Ministério das Comunicações (1974-90) e outros dois anos como secretário-adjunto (1970-72), duvida que as intenções de FHC saiam do papel.
"Enquanto existir o Congresso Nacional e, dentro dele, parlamentares desejosos de se reeleger, o critério de distribuição de concessões será político, e os governos darão rádios e TVs em troca de apoio. A utopia socialista de que todos são iguais perante a lei não funciona na vida real", diz ele.
Rômulo participou do processo de distribuição de pelo menos 60% das 3.208 concessões de rádio e TV existentes no país.
Ele influenciou o loteamento das concessões em três governos militares -Emílio Garrastazu Médici (1969-74), Ernesto Geisel (1974-79) e João Figueiredo (1979-85)- e no governo do civil José Sarney (1985-90).
Em seus seis anos de gestão, João Baptista Figueiredo distribuiu 634 emissoras de rádio e TV e pagou caro por isso.
Apenas três dias depois de Figueiredo ter deixado o Palácio do Planalto, o recém-empossado ministro das Comunicações de José Sarney, Antônio Carlos Magalhães, nomeou um grupo de trabalho para investigar "indícios graves de irregularidade" nas 138 concessões dadas entre outubro de 1984 e março de 1985, e prometeu revogá-las.
Figueiredo foi acusado por Antônio Carlos Magalhães de promover "um festival de concessões" em favor de políticos do PDS, que apoiaram Paulo Maluf, contra Tancredo Neves, na eleição indireta para a Presidência da República, em janeiro de 1985.
Há indícios de que a acusação era verdadeira. Um exemplo foi o deputado Rubens Ardenghi, do PDS gaúcho, que ganhou a Rádio Difusora das Missões, em Palmeira das Missões (RS), dois meses antes da votação no Congresso.
ACM não cumpriu a promessa de anular as concessões do final do período Figueiredo e nem poderia, a menos que provasse ter havido corrupção nos atos de outorga.
"Como é que eu vou provar que alguém deu 300 ou 400 milhões para o ajudante de ordens ou secretário do Planalto para garantir sua concessão?", justificou-se ACM ao ser indagado, um ano depois, sobre o desfecho das investigações.
Pelo menos três fatos objetivos impediriam o então ministro de levar a fundo uma investigação sobre os critérios de concessão de emissoras de radiodifusão.
Uma delas era a legislação. Até a promulgação da Constituição de 1988 (que determinou que as novas concessões passassem a ser submetidas à aprovação do Congresso), o presidente da República tinha a prerrogativa de escolher os beneficiários.
O Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, que ainda não foi revogado, não faz restrições à escolha de políticos. Políticos em exercício de cargo eletivo são impedidos apenas de participar da direção da emissoras. Não de serem acionistas.
O segundo fato objetivo é que o próprio Antônio Carlos Magalhães foi beneficiado por Figueiredo, que, em março de 1984, assinou o decreto de outorga da TV Bahia.
ACM sempre negou ser dono da TV e, de fato, não é. A concessão foi dada a Luís Eduardo Magalhães, seu filho, e a Cesar Mata Pires, seu genro e sócio da Construtora OAS.
O terceiro fato, suficiente para levar a promessa de investigação ao descrédito, foi a própria conduta do governo Sarney, que levou ao paroxismo a distribuição política de concessões.
Segundo levantamento feito pelo diretor da Federação Nacional dos Jornalistas e professor da Universidade Federal de Brasília, Paulino Motter, até a posse de Figueiredo existiam 1.483 emissoras de rádio e TV no Brasil.
Nos cinco anos da gestão José Sarney foram distribuídas 1.091 concessões, das quais apenas 65 foram submetidas ao Congresso, ou seja, ocorreram depois da promulgação da Constituição, em outubro de 1988.
No mês que antecedeu a promulgação da Constituição, setembro, foram dadas 257 concessões de rádio e TV. A edição do "Diário Oficial" do dia 29 daquele mês bateu recorde: 59 concessões.
Em seu estudo sobre o uso político das concessões de radiodifusão no governo Sarney, Paulino Motter constata que 165 concessões foram parar nas mãos de 91 parlamentares constituintes, 90% dos quais votaram a favor do mandato de cinco anos para Sarney.
A barganha de concessões chegou a provocar situações grotescas. O ex-deputado federal Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE) denunciou em público que estava com uma concessão de rádio FM na cidade de Petrolina "praticamente na mão", e a perdeu porque votou por quatro anos de mandato para José Sarney.
A rádio, segundo o ex-deputado, foi dada a Osvaldo Coêlho (PFL-PE), que votou pelos cinco anos de mandato. O então ministro Antônio Carlos Magalhães respondeu com ironia à denúncia.
"Ele queria uma rádio para Petrolina, foi dada uma rádio para Petrolina. Coincidentemente, a rádio foi para Osvaldo Coêlho, mas evidentemente Petrolina ganhou a rádio", afirmou ACM em entrevista à Folha, em 1988.
A derrama de concessões praticamente exauriu o espectro de frequência disponível para radiodifusão nas grandes e médias cidades.
"O governo atual só vai poder leiloar concessões para cidades pequenas. As grandes já estão ocupadas", confirma Rômulo Furtado.
Além de deputados e senadores constituintes, também ganharam concessões durante o governo Sarney ministros, governadores, jornalistas íntimos da corte governamental e burocratas da administração pública.

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