São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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Sem-terra planejam reocupação de fazenda

GEORGE ALONSO
ENVIADO ESPECIAL A VILHENA (RO)

Os sem-terra articulam a reocupação da fazenda Santa Elina, em Corumbiara (800 km ao sul de Porto Velho), onde dez posseiros foram mortos com tiros a curta distância no último dia 9, em confronto com a polícia de Rondônia. Dois PMs também morreram.
"Estamos nos reagrupando. Pode não ser já, mas vamos voltar à área. Queremos a Santa Elina e não vamos aceitar terras fracas e doentias, onde a malária come", diz Cícero Ferreira Neto, o Topa-tudo, um dos líderes do movimento de Corumbiara.
A Folha apurou que o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) estuda a possibilidade de assentar os sem-terra na região de Jaru (RO). "Não queremos terras em Machadinho, Jaru, Buritis. Ali, você entra numa casa, cinco estão com malária, e o sexto é você", afirma Topa-tudo.
Na Santa Elina, que os invasores já chamavam de "Santa Fé", a terra é roxa, fértil, cheia de mognos e cerejeiras, madeiras nobres.
"Ele (o fazendeiro) está cortando as árvores. Assim é melhor, a gente toma com a terra já pronta", diz "Chico" aos companheiros. Para os posseiros, a derrubada mostra que a área era improdutiva -sem pastos ou plantações.
Hoje, cerca de 350 das 600 famílias que ocuparam a Santa Elina estão acampadas na "chácara do Grilo", apelido dado pelos sem-terra à área alugada pela Prefeitura de Colorado do Oeste.
Na chácara, há agora medo e desconfiança entre os posseiros. Qualquer estranho que se aproxima é visto como "federal". A cerca é fechada, e todos emudecem.
Mas o acampamento, diz Topa-tudo, vai crescer. "Depois do massacre, a terra vai sair mais rápido", acredita o sem-terra que resolveu, na última quinta-feira, sumir por uns tempos, embora não esteja na lista dos seis posseiros com prisão preventiva decretada.
Ligado ao PT, como os demais articuladores da ocupação, Topa-tudo faz parte de uma linhagem de líderes de sem-terra de Rondônia que rompeu, em 1992, com o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST).
Risonho e irônico, Topa-tudo (apelido que ganhou na invasão da Santa Elina) fecha a cara quando fala dos atuais líderes do MST. "O grupo que está lá agora é 'cria-bunda'. Não age", critica.
O MST e a Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Rondônia fizeram, em três anos, dois acampamentos com 230 famílias. "Em três meses, juntamos 600 famílias", orgulha-se.
Ele rechaça também ligação com tendências petistas, embora diga que tem amigos na "Articulação" (a facção de Lula no PT).
"Aqui é diferente do Sul. Não me dou bem com esses grupelhos, 'Convergência Socialista', 'O Trabalho'. É só discurso. Só são bons de congresso e assembléia", diz.
A invasão da Santa Elina, a maior da história de Rondônia, foi decidida em abril pelos dissidentes do MST ("os que fazem o movimento", diz Topa-tudo, que ajudou a fundar o MST em 84).
Entres eles estavam Adelino Ramos (o Buriti, foragido) e Ananias de Souza Pereira, que fazia os contatos fora da ocupação.
Em 5 de julho, no 2º Grito da Terra, encontro de sem-terra em Porto Velho, o grupo anunciou ao MST que ia invadir a área.
O MST decidiu não apoiá-los. Alegou "prioridades em outras áreas" e argumentou que a fazenda era produtiva. A Comissão Pastoral da Terra foi contactada, mas disse desconhecer os líderes, para depois chamá-los de "radicais".
"Mas sabíamos que ninguém tem título definitivo ali. Escolhemos junto do assentamento Adriana porque vamos tomar aquele latifúndio", promete Topa-tudo.
Uma comissão de dissidentes do MST, então, ultimou os preparativos da ocupação. O acampamento foi bem-organizado. Foram feitas reuniões com sem-terra em vários lugares do sul de Rondônia.
Em 13 de julho, eles soltaram boatos de que invadiriam a São Judas, fazenda vizinha. Os jagunços ficaram a postos. No dia 14, 300 famílias entraram na Santa Elina.
Parte da área foi intencionalmente desmatada para permitir a identificação de estranhos. Havia grupo de moto-serra, seguranças (com espingardas), farmácia, cozinha. As famílias foram cadastradas. A idéia era resistir.
A disposição de reocupar a área é o prenúncio de nova tragédia se não houver negociação e prevalecer o propósito do diretor do Incra no Estado, Cleth Brito. "Vamos encontrar terras férteis, mas não em Corumbiara. Se não quiserem, vão ficar na rua", diz Brito.

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