São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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"Aqui, só ganhei sete palmos de fundura"

GEORGE ALONSO
DO ENVIADO ESPECIAL

Os mineiros Odilon, 24, Carlos, 22, e o pai Agostinho Feliciano, 49, chegaram a Rondônia há cinco meses em busca de terra fértil. Odilon está morto.
Levou um tiro na nuca, disparado a curta distância por um PM na fazenda Santa Elina.
A mãe, Maria Helena, 44, resume a tragédia: "A única terra que ganhei foi aquela, do meu filho, com sete palmos de fundura".
Ela quase ganhou outros sete palmos. O marido, Agostinho, fingiu-se de morto para sobreviver.
Carlos, o mais novo de Maria Helena, foi preso logo, ainda à noite. "Estava escuro. Ouvia foguetes que faziam um barulhão e tiros." Deitado no chão, de bruços, ele já estava rendido, como outros posseiros.
"Os PMs batiam, chutavam, pisavam na gente. Gritavam: 'Vocês querem terra? Comam terra seus filhos da puta!"', lembra ele.
Carlos ficou quieto até ouvir outro PM berrar: "Vamos queimar, jogar gasolina, sumir com eles!" Um comandante, segundo Carlos, impediu a fogueira humana.
Mas, desconfiado, Carlos resolveu sair em disparada. Levou dois tiros: um na clavícula, outro no pé. "Vazei (fugi) pela mata." E ainda escutou: "Não adianta correr, os pistoleiros vão te pegar".
Já Moacir Camargo Ferreira, 30, nasceu de novo. Casado, três filhos, preso na tarde do dia 9, carregou nove corpos de mortos.
Às 18h, foi colocado, sentado, sobre o caminhão que levava os posseiros. Um PM, diz ele, lhe deu um sanduíche e um cigarro.
"Aí, de repente, o PM falou: Vocês tudo têm que morrer igual esse aqui!". Encostou o revólver no ombro esquerdo de Moacir, de cima para baixo, e atirou.
Geraldo Rodrigues de Souza, 34, que só visitava um rapaz no acampamento dos sem-terra e acabou ferido e preso, sem ser perguntado, contou a história de Moacir: "Um rapaz do meu lado levou um tiro no caminhão."
Moacir foi levado para o hospital de Colorado do Oeste. Depois, foi transferido para Vilhena, mas acompanhado por uma enfermeira.
Isso porque o diretor do hospital de Colorado, Dionísio Moreto, suspeitou da escolta. "Os dois soldados estavam muito irritados", disse Moreto no depoimento que deu no inquérito que apura o caso.
Apesar de quase ter morrido, Moacir defende os líderes da invasão: "O MST fracassou. Os líderes antigos (hoje dissidentes) são boas pessoas. Os novatos são politiqueiros", diz ele, contra a atual postura legalista do MST.
Odilon morreu, Moacir está vivo por sorte. Mas onde está Darli, 18? A mãe, Iracema Martins Pereira, 42, com foto em punho, já bateu perna em hospitais. Nada.
"Dei conselho, mas hoje filho não ouve pai. Disse que tô velho, que a minha terra é dele. Mas ele queria sua terrinha", diz Davi, 53, dono de 120 hectares divididos com parentes.
José, 23, outro filho do casal, escapou. "Passou no meio dos pistoleiros. Foi Deus", diz Davi.
Se Iracema e Davi procuram o filho, Dejair Lopes da Silva, 45, que estava na ocupação, oferece 2 dos seus 5. Na terça-feira, em Vilhena, pedia que alguém adotasse as gêmeas Tatiana e Tatileide, de seis meses. "O leite da mulher secou. Não tenho nada. É melhor assim".

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