São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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Polícia de Nova York muda e mortes caem 31% em 6 meses

GILBERTO DIMENSTEIN
DE NOVA YORK

Na esquina da movimentada rua de Nova York estão parados um homem e uma mulher com roupas insinuantes, convidando ao prazer remunerado. Mas o casal de prostitutos pode ser apenas uma armadilha para pegar criminosos -ambos são policiais disfarçados que se misturam no submundo.
É mais um truque lançado pela polícia de Nova York, cidade que se transformou no mais importante laboratório mundial contra a criminalidade. E serve como um recado capaz de animar os apavorados habitantes das grandes cidades brasileiras -é possível reduzir em curto prazo o crime. Basta que a polícia melhore.
As autoridades decidiram apostar na idéia de que mais e melhor policiamento significa menos delinquência. Foi aumentado o número de policiais nas ruas (mais 5.000) e de criminosos na cadeia (mais 12%)
Apostou-se, basicamente, na idéia de que não há necessariamente uma relação entre violência e miséria. "Nunca as ruas dos EUA foram tão tranquilas como no período da grande depressão", diz o chefe de polícia de Nova York, William Bratton. A depressão ocorreu no final da década de 20, produzindo a maior onda de desemprego registrada no país.
Em várias cidades americanas verifica-se um declínio da taxa de criminalidade, mas em nenhuma tão intenso como em Nova York. Comparado ao mesmo período do ano anterior, o último semestre mostrou queda de 31% no número de assassinatos, aprofundando tendência de 18 meses -no total do período a queda foi de quase 40%
O roubo de automóveis caiu 25% e, no geral, a taxa de crimes reduziu-se em 27,1%. Na Grande São Paulo significaria, por exemplo, menos seis pessoas assassinadas ou menos 70 carros roubados por dia.
No total, haveria na Grande São Paulo menos 660 roubos ou furtos todos os dias.
Nova York está obviamente muito longe de ser um paraíso. Em 1994, morreram assassinadas 1.600 pessoas, bem mais do que os 390 de 1960. E muito longe das lembranças que habitam seus moradores mais velhos. Em 1903, por exemplo, um indivíduo foi condenado a três meses de cadeia por colocar seu carrinho de mão sobre a calçada.
As escolas introduziram nas portas detectores de metal para evitar guerras de quadrilhas. Há histórias capazes de emocionar até mesmo os calejados moradores da Baixada Fluminense, no Rio. Frances Davis virou personagem depois de liderar um movimento de mães que perderam seus filhos na guerra das ruas. Os três filhos de Frances foram mortos. Uma das balas ainda está encravada na parede de sua casa. "A lembrança dos meus filhos volta toda vez que sei de uma criança assassinada", diz.
Os números produzem uma gigantesca controvérsia sobre as causas da queda. Policiais dizem que os intelectuais de esquerda passaram a vida ensinando que não se reduzia o crime sem reduzir a pobreza e, agora, não têm coragem de admitir que "erraram". Daí minimizariam as estatísticas positivas.
Criminologistas reconhecem a ação da polícia, mas oferecem uma variedade de explicações. Há até estudiosos garantindo que tudo não passa de ilusão, já que o crime estaria submetido a ciclos de altos e baixos. Estaria caindo a febre do crack, trocada pela heroína, supostamente calmante contra a violência; as gangues se tornaram mais "civilizadas", sofisticando seus métodos.
Há explicações menos complexas. Simplesmente tantas pessoas morreram ou foram presas que o perigo diminui. "Ninguém sabe exatamente o que está acontecendo", reconhece o prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, que, em sua campanha eleitoral, prometeu fazer do combate ao crime a prioridade de sua administração.
Poucos têm dúvida de que a nova estratégia da polícia ajuda na queda dos índices, o que envolve uma série de ofensivas. As delegacias ganharam mais autonomia e já não aguardam um comando especial da divisão de narcóticos para pegar traficantes.
Numa espécie de volta aos antigos tempos, estimula-se a polícia comunitária; a patrulha anda a pé e é mantida numa mesma rua, onde faz amigos, fontes de informação.
Inovando sua estratégia, a polícia resolveu investir contra as pequenas desordens que, até pouco tempo, não atrairiam a atenção do policial, vistas como bobagens sem importância. Jovens grafitando muros, bêbados, motociclistas andando sem capacete passaram a ser perseguidos, aumentando a apreensão de armas. "Tolerância com pequenos delitos estimula a sensação de impunidade a grandes delitos", aposta William Bratton que, no início de sua gestão, foi ridicularizado pela dura ofensiva contra os grafiteiros -mas agora, ao lado do prefeito, é saudado como um herói urbano.
Não é difícil entender essa reverência -afinal, se Mário Covas, governador de São Paulo, obtivesse resultados semelhantes estaria com um pé no Palácio do Planalto.

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