São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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O "leão" está voraz

OSIRIS LOPES FILHO

Alguns congressistas têm identificado certos "bodes" na proposta de reforma constitucional tributária, encaminhada pelo governo federal ao Congresso.
Por "bode" entende-se a proposição que não é para valer. Corresponderia à matéria que não seria de real interesse estratégico. Está no bojo do projeto para negociação. O seu destino final é a lata de lixo.
Parece-me equivocada essa "visão zoológica", aparecida na primeira hora das apreciações do projeto governamental.
Em verdade, a tecnocracia e a elite política do governo federal foram acometidas pela soberba e arrogância, desprezando a opinião pública, sentindo-se mais poderosas do que realmente são.
Têm razões para isso. Afinal, no primeiro semestre deste ano foram feitas significativas modificações na ordem econômica do país.
Erodiram os monopólios estatais e abriram atividades estratégicas do Estado para capitais privados, principalmente os estrangeiros, pois o capital nacional está enfraquecido.
Então passou a dominar o cenário a prepotência típica dos vitoriosos insensíveis aos interesses da coletividade, mas impulsionados pelas razões do Estado.
A proposta de criação de mais uma hipótese de empréstimo compulsório -a absorção temporária de poder aquisitivo do povo- vem demonstrar uma fragilidade do Plano Real, pois se está estocando no arsenal de instrumentos de controle da inflação uma arma que equivale, pelo seu poderio, à bomba de hidrogênio.
Não se trata de mero instrumento de controle inflacionário, mas de dispositivo mortífero, de amplitude genocida.
Nessa área dos empréstimos compulsórios, a avidez do governo federal se confirma ao propor alteração de outra hipótese.
A atual Constituição possibilita a criação de empréstimo compulsório para financiar "investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, desde que obedecido o princípio da anterioridade da lei, vale dizer, o referido tributo é instituído num exercício financeiro, mas a sua cobrança só pode ocorrer no exercício seguinte.
A proposta governamental retira o caráter de urgência e o respeito ao princípio da anterioridade.
Abre-se a possibilidade de que as obras faraônicas, feitas para saciar o apetite das empreiteiras, sejam imediata e diretamente custeadas pela população, por meio do empréstimo compulsório.
Pratica-se também sacrilégio constitucional, ao se ofender a cláusula pétrea de proteção ao contribuinte, conferida pelo princípio da anterioridade.
Mas a voracidade do governo federal está ilimitada. Alcançou níveis deslavados e indecorosos. Está a retirar mais um mecanismo protetor estabelecido pela Constituição.
Pelas regras atuais, o empréstimo compulsório só pode ser criado por lei complementar. Lei de difícil tramitação, pois exige quorum qualificado para a sua aprovação -metade mais um dos membros do Congresso favoráveis.
Esse mecanismo protetor, pela proposta, desaparece. Assim, uma medida provisória, dessas que apanham os contribuintes de surpresa no Ano-Novo, presente indigesto editado no dia 31 de dezembro anterior, poderá criar novos empréstimos compulsórios para atender a ilimitada cobiça financeira do governo federal.
Vai mal o governo. Sua ousadia legislativa supera, de longe, os piores momentos da ditadura militar. Se o governo tem tido algum sucesso nas suas ações, seguramente terá sido o de resgatar a lembrança, agora amena, da ditadura militar, em matéria tributária.
Os decretos-leis que caracterizaram a atuação legislativa da época dos militares no poder são, como se diz no interior, "fichinhas, café pequeno diante da pornográfica e indecente ambição arrecadatória do governo federal, materializada na proposta de emenda constitucional.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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