São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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O ritmo das privatizações no Brasil

ELENA LANDAU

As críticas ao programa são menos quanto ao conceito e mais quanto ao ritmo do processo
O Programa Nacional de Desestatização (PND) vem sofrendo críticas desde a sua criação, em 1990. No início elas eram, em sua maioria, de cunho ideológico. O alvo era a privatização em si. Com o andamento do programa começaram, também, as alegações de irregularidades na condução do PND. Tais objeções estão hoje superadas.
A transparência do programa, os diversos controles sociais sobre suas contas, além do inegável sucesso dos resultados obtidos até o momento, foram responsáveis pela redução das críticas. A ponto de, no último leilão, o da Copene, não ter havido nenhuma tentativa judicial de suspensão do leilão. É um fato inédito no PND.
Hoje, quando há críticas ao programa, elas são menos quanto ao conceito e mais quanto ao ritmo do processo. Há os que o consideram lento demais. Paradoxalmente, há os que reclamam do açodamento do governo. A superação do componente ideológico do debate é, sem dúvida, um enorme avanço.
O programa de privatização brasileiro tem seu ritmo ditado pelas regras estabelecidas pelo Legislativo e pelo Executivo, de forma a garantir que a venda do patrimônio público receba o melhor tratamento possível, maximizando a receita do Tesouro Nacional e gerando benefícios à sociedade ao aumentar a eficiência do setor produtivo.
O procedimento de venda de uma empresa desdobra-se em várias etapas: sua inclusão formal no PND, por decreto presidencial; licitação para a contratação de consultores para a avaliação do preço mínimo da empresa, obedecendo aos rigorosos critérios impostos pela Lei de Licitações brasileira; a avaliação propriamente dita; a estruturação da venda; a convocação de assembléia de acionistas para a aprovação do preço mínimo; a publicação do edital de venda; e, finalmente, o leilão e as ofertas ao público e aos empregados.
Em cada um desses passos, os prazos estabelecidos pelo Tribunal de Contas da União para a análise e aprovação de cada etapa devem ser obedecidos. Em consequência desses requisitos, nenhuma privatização, por melhor e mais ajustada que esteja a empresa, pode ocorrer em menos de dez meses.
Ainda assim, desde outubro de 1991, quando foi vendida a primeira empresa no âmbito do PND, foram realizados 35 leilões de controle e de participações minoritárias e 77 ofertas ao público e aos empregados. Isso significa um leilão a cada 40 dias e uma oferta a cada 18 dias.
Hoje, a privatização não é somente um programa federal: governadores e prefeitos vêm também montando programas de desestatização. É interessante notar que, apesar das críticas à suposta lentidão do programa federal, Estados e municípios adotam os mesmos procedimentos, que reproduzem, na essência, as regras federais.
O motivo para isso é claro: tais regras e procedimentos têm conferido ao processo de alienação do patrimônio público total transparência, contribuindo enormemente para superar as resistências ideológicas à privatização. Um resultado fundamental dessa transparência é que o processo de venda de uma empresa é seguro e conhecido; tem começo, meio e fim.
O PND agora inicia uma nova fase, com a saída do Estado da oferta de serviços públicos. Assim, soma-se aos objetivos do PND a melhoria da qualidade dos serviços públicos ofertados à sociedade brasileira, por meio do aumento de investimentos a serem realizados pelos novos controladores. Isso requer do governo a preparação desses setores para a venda por meio do estabelecimento de marco regulatório adequado.
O cuidado com os efeitos da privatização sobre a economia brasileira é ainda maior quando se trata de passar à iniciativa privada a concessão de serviços públicos, atividades que têm impacto direto na qualidade de vida dos cidadãos.
Esses casos são geralmente precedidos de reforma legislativa, que cria novo marco legal para o setor a ser privatizado, e da reestruturação do setor público, em busca do adequado aparelhamento do Estado, para poder desempenhar seu novo papel nesta nova fase, que é o de regular e fiscalizar a oferta de serviços públicos.
Em consequência, o ritmo dos leilões nesta fase que se inicia, além de obedecer os prazos legais, estará também condicionado pela montagem desse arcabouço institucional.
A experiência internacional revela que o tempo consumido na desestatização de serviços públicos pode chegar a uma década. Se o leilão da malha oeste da RFFSA, previsto para dezembro deste ano, ocorrer na data prevista, ou mesmo próximo dela, o Brasil terá concluído o mais rápido processo de arrendamento de uma ferrovia no mundo: a média internacional, na experiência do Japão, Argentina, Estados Unidos e Nova Zelândia é de dez anos.
A questão mais importante é a razão pela qual a aceleração das privatizações é tão demandada. A resposta parece evidente: para que sua contribuição para o equilíbrio das contas públicas se dê rapidamente, ajudando a consolidação do programa de estabilização.
Assim, a discussão relevante não é aquela que envolve mudanças nos procedimentos de venda, mas, sim, a de instrumentos financeiros que permitam ao governo antecipar receitas futuras. Nessa direção é que os esforços devem ser concentrados.
O governo vem trabalhando em alternativas que gerem esses resultados. Entre elas, por exemplo, a criação de um fundo composto de ações de empresas a serem privatizadas. Cotas desse fundo seriam vendidas desde já, possivelmente acopladas a algum mecanismo financeiro que possa premiar aqueles investidores que apostassem no programa de privatização. Tal medida permitiria que o impacto fiscal se realizasse previamente à venda das empresas.
Ao mesmo tempo, o governo irá construindo o marco institucional necessário para garantir tanto que os serviços públicos serão prestados de forma eficiente quanto para valorizar o seu patrimônio.
A maioria das empresas estatais de serviços públicos revela nas suas cotações em Bolsa o desconto exigido pelos investidores em decorrência da falta de regras claras para a desestatização desses setores. As ações da Eletrobrás, por exemplo, valem hoje cerca de um quarto de seu valor patrimonial. É nossa obrigação tornar o setor elétrico mais atraente, para assim potencializar os recursos a serem arrecadados com a privatização.
É importante notar que a legislação dá tratamento especial para empresas com cotação em Bolsa (CVRD, Telebrás, Light, Eletrobrás etc.), permitindo ritos sumários. Entretanto, vender só não basta, é preciso vender bem para cumprir os objetivos fundamentais da lei 8.031, que criou o PND.

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