São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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Efêmero atual

Ministro José Serra lança coletânea de artigos

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Reforma Política no Brasil", novo livro do ministro do Planejamento, José Serra, 52, já chega às livrarias com um certo ar inatual, comprometido pelas datas em que foram escritos os artigos ali reunidos.
Com uma ou outra exceção, trata-se de uma compilação de textos publicados originalmente na imprensa, abarcando um período bastante elástico -os primeiros são do início de 1987 e os mais recentes do final do ano passado.
Quase metade do livro já havia sido editada em 1993 pela mesma Siciliano, sob o título "Parlamentarismo x Presidencialismo". A nova edição amplia a primeira, mas escorrega em detalhes de acabamento que poderiam ter sido facilmente evitados. No prefácio assinado pelo cientista político Bolívar Lamounier, por exemplo, lê-se que Serra "tem insistido na antecipação" da revisão constitucional. É óbvio que a passagem precisaria ser atualizada.
A ênfase dos artigos que não constam da primeira edição volta-se para duas causas que foram (ainda são?) caras ao ministro: a campanha parlamentarista e a revisão constitucional.
Os dois temas têm em comum o fato de terem sido derrotados no mesmo ano de 1993. O plebiscito de 21 de abril reafirmou a opção pelo presidencialismo, e a revisão, prevista para o segundo semestre daquele ano, acabou atropelada pela CPI do Orçamento.
Visto no conjunto, o livro de Serra é um imenso ensaio de reengenharia política, mesmo que a expressão, tão em voga nos meios empresariais, não apareça citada em nenhum dos títulos dos seus 72 artigos.
Formado pela Escola Politécnica da USP no início dos anos 60, Serra parece nunca ter abandonado sua vocação de origem.
Comporta-se, nos textos, como um autêntico engenheiro da política, preocupado em reformar a Constituição, o sistema de governo, o sistema eleitoral, a organização partidária e a representação dos Estados na Câmara, entre outros temas jurídico-institucionais.
Tudo no livro sugere um político obcecado pela idéia de que a chave para os problemas do país passa pela alteração de seu arcabouço legal, que estaria, segundo sua visão, emperrando ou inviabilizando qualquer perspectiva sólida de desenvolvimento.
Para alguns, a insistência nos temas técnicos e nos meandros jurídico-institucionais revelam uma trajetória coerente e uma cabeça essencialmente racional; para outros, esses mesmos traços mostram que Serra é, antes de tudo, um tecnocrata fazendo política.
Embora o livro tenha um inegável valor documental -estão presentes, por exemplo, muitos artigos publicados na coluna que Serra manteve na Folha às terças-feiras-, ele acaba pagando o preço de uma obra que reúne textos de circunstância, escritos no calor do debate político e destinados a um veículo fugidio como é o jornal.
"Reforma Política no Brasil" está, assim, repleto de repetições, comentários restritos à conjuntura política mais imediata e provocações, que, fora de contexto, acabam dizendo pouco ao leitor.
Seja como for, para os interessados pelas idas e vindas do jogo político ou mesmo para os historiadores, acabam sobrando passagens saborosas e esclarecedoras.
Exemplo disso são algumas das duras críticas destinadas ao presidencialismo. Escreve Serra, em artigo publicado na Folha, em 14 de março de 93: "Passada a eleição, o presidente esquece solenemente os compromissos assumidos no horário eleitoral. (...) Quando precisa do voto parlamentar, busca apoios pessoais em troca de cargos e favores, florescendo o fisiologismo que tanto irrita a opinião pública".
Em outro artigo, de 2 de fevereiro de 93, Serra polemiza com o hoje vice-presidente Marco Maciel: "O senador Marco Maciel é um dos advogados mais insistentes e sagazes do presidencialismo. (...) Não é por menos que, sob o 'novo presidencialismo' do senador Maciel, o Brasil amargou uma das presidências mais desastradas da sua história".
Mais adiante, em texto de outubro de 93, Serra escreve defendendo a necessidade da revisão constitucional no momento em que a CPI do Orçamento já tomava conta da opinião pública: "A CPI do Orçamento não deveria, mas está paralisando a revisão constitucional. É preciso encontrar uma saída".
Exemplos de textos como esses, em que o autor foi derrotado em suas posições ou polemizava com os aliados de hoje, como é o caso de Marco Maciel, estão espalhados ao longo do livro.
Mas, em que pese a curiosidade que possa despertar uma ou outra passagem, a sensação que fica é a de que tudo que está ali faz parte do passado. O que os eleitores do senador José Serra e os seus possíveis leitores querem saber do ministro não está neste livro. Serra fica devendo algo mais quente.

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