São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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Economia de conhecimento

DALMO MAGNO DEFENSOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Recentemente, um amigo meu -pequeno aplicador em ações- enfrentou por noites seguidas um doloroso ritual diante da TV.
Lillian Witte Fibe o olhava bem nos olhos, respirava fundo e dizia, com ar desconsolado: "E a Bolsa, hein?..." Pronto: ele já sabia que o índice havia despencado novamente, desvalorizando mais um pouco seu patrimônio.
E, no entanto, ele não se movia: na noite seguinte, fitava outra vez os escuros olhos da âncora.
Quem tem haveres a zelar, sejam dólares repousando sob o colchão ou reais corcoveando na Bolsa, adquire o hábito de espiar diariamente os indicadores financeiros -mesmo quando servem apenas para mostrar quão perto se está da bancarrota.
A TV procura satisfazer essa nervosa demanda, prestando informação e alguma orientação durante os telejornais. O problema é que, às vezes, como acontece em toda atividade humana, o discurso precede o domínio do assunto.
Quando tudo eram flores no Real, ouvi exultantes repórteres dizendo coisas como "o preço do quiabo caiu 200%".
Ora, se caísse "apenas" 100%, o preço já seria igual a zero. Fosse a deflação ainda maior, e teríamos um valor negativo: o feirante, resignado respeitador das leis de mercado, pagaria a quem levasse o odioso vegetal.
Diante de tal aberração, até um neoliberal de carteirinha faria o sinal-da-cruz.
Começava um plano de estabilização econômica. Na TV, um indignado jornalista exigia atenção oficial para problemas como o da senhora que lhe escrevera.
Antes do plano, ela sacava da poupança o valor referente ao reajuste mensal, que passava de 50%, e com ele pagava as contas, deixando intacto o saldo anterior.
Na nova conjuntura, com o despencar da inflação, esse reajuste se reduzira a cerca de 1%. Para pagar as mesmas contas, ela se via obrigada a retirar também uma parte do saldo. Era óbvio que o vil plano a estava empobrecendo.
Não era bem assim. Daqueles exuberantes 50% de reajuste, apenas 0,5% eram efetivo rendimento; o resto era a correção, que apenas preservava o valor depositado.
Ao sacar correção e rendimento, a senhora já vinha minguando seus ativos, mas a ilusão monetária a impedia de perceber.
Para horror de meu alter ego economista, o jornalista nem se preocupou em ouvir alguém do ramo.
Afobado, endossou o equívoco em rede nacional e levou revoltados espectadores a queimarem efígies do ministro da Fazenda -que certamente não o merecia. Não por esse motivo.

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