São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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Minissérie revê disputa entre Lula e Collor

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

O leitor perdoe a expressão vulgar, mas a Globo vai cuspir no prato em que comeu a partir desta terça-feira.
Com "Decadência", a emissora promete rever a história recente do país, sobretudo a que se desenrola entre a morte do presidente Tancredo Neves (1985) e o impeachment de Collor (1992).
O título da minissérie não deixa dúvidas de que a revisão se pretende crítica. "Decadência" quer revisitar o Brasil sob um ponto de vista que os telejornais da Globo preferiram desprezar no calor da hora, no momento em que os fatos aconteciam de verdade.
Não à toa, a Era Collor é o período que merece maior atenção da trama. A minissérie de Dias Gomes o aborda desde a gênese: as eleições de 1990.
A campanha presidencial divide a família Tavares Branco. Os irmãos Carla (Adriana Esteves) e Pedro Jorge (Luiz Fernando Guimarães) apóiam candidatos diferentes. Ela frequenta comícios de Lula no Rio -seis anos antes, frequentou os das Diretas Já. Ele ergue a bandeira de Collor.
Pelas mãos dos dois personagens, o maniqueísmo folhetisnesco contamina a disputa política. A "petista" Carla é sensual, inteligente e idealista. O "collorido" Pedro Jorge, um fanfarrão que vive de fazer lobby em Brasília.
Mulherengo e corrupto, consegue financiamentos públicos para terceiros, manipula votações do Congresso e cultiva apelido pouco sutil: PJ (referência ao empresário Paulo César Farias, o PC).
No final da minissérie, se surpreende às voltas com a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura irregularidades do governo. Carla, em contrapartida, sai às ruas para comemorar o impeachment do presidente. Está feliz e tem a cara pintada.
Ao telespectador, restará a perplexidade. Mas não era a Globo que insistia em vender Fernando Collor, o preferido de PJ, como salvador da pátria? Não foi a emissora que ignorou durante meses os comícios das Diretas Já -os mesmos que, agora, atraem a adesão apaixonada de Carla?

Cadáveres
A mudança de tom esconde razões mercadológicas. A Globo, que está completando 30 anos, planeja atravessar mais 30 na liderança de audiência.
Para tanto, percebeu que precisa exorcizar a imagem de conservadora. Precisa exumar dois cadáveres que ainda lhe custam muito caro. O primeiro é o movimento militar de 1964, que ajudou a consolidar. O segundo é justamente a Era Collor.
A revisão do período em que generais ocuparam a Presidência da República começou no dia 14 de julho de 1992, quando a emissora lançou "Anos Rebeldes". A minissérie de Gilberto Braga deu voz, pela primeira vez, para o outro lado -os militantes de esquerda que lutavam contra os "milicos".
No dia 29 de novembro de 1994, a Globo retomou o tema de maneira alegórica. Usou a minissérie "Incidente em Antares" para contar uma parábola sobre o totalitarismo que impregnava a sociedade brasileira na década de 70.
Foi só há três meses que o assunto deixou o campo ficcional. Em junho, a minissérie jornalística "Contagem Regressiva" classificou os governos militares de autoritários. Em julho, o "Globo Repórter" exibiu documentário de Caco Barcellos sobre presos políticos que desapareceram nos porões da ditadura.
"Decadência" deverá encerrar a onda revisionista -que, de resto, se mostra inócua. O melhor caminho para a emissora apagar a fama de parcial não é remexer o passado. É deixar de corromper o presente.

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