São Paulo, segunda-feira, 4 de setembro de 1995
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Governos criam 'indústria da emergência'

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Prefeituras, governos estaduais e federal mantêm uma espécie de "indústria da emergência" para comprar produtos e contratar serviços e obras sem precisar fazer concorrência pública.
O governo de São Paulo assinou pelo menos 750 contratos sob a alegação de urgência no ano passado -uma média de mais de duas "emergências" a cada dia.
A prática continuou neste ano, com o governo Covas, mas ainda não existe um levantamento do TCE (Tribunal de Contas do Estado) do volume de contratos.
A justificativa de emergência está prevista na Lei de Licitações, mas deve ser utilizada apenas em casos extremos, como o de grandes enchentes, por exemplo.
Os contratos assinados dessa forma não podem ultrapassar o período de 180 dias sem que haja a realização de concorrência pública.
A Folha localizou serviços que funcionam sob esse regime há dois anos, como o trabalho de empreiteiras em aterros sanitários da Prefeitura de São Paulo. É o caso do "lixão" de Perus (zona oeste). Em Santo André, a prefeitura mantém há mais de um ano "uma emergência" em um aterro de lixo.
Ao dispensar licitações em contratos que somam este ano R$ 2,6 bilhões, segundo dados do TCU (Tribunal de Contas da União), o governo federal também utilizou o argumento da emergência.
O Siafi, sistema informatizado de controle dos gastos públicos, não registra os motivos que levaram o governo a dispensar as licitações, mas a justificativa da emergência é facilmente detectada.
Basta folhear o "Diário Oficial" da União para verificar vários casos dessa natureza.
Nas últimas semanas, o "D.O." chegou a registrar a assinatura de até cinco contratos de urgência em um mesmo dia.
"Com a desculpa da emergência, qualquer governo pode fazer uma festa de favorecimento a empresas", diz o advogado José Paulo Boselli, que realiza cursos em São Paulo sobre os "truques" no ramo das licitações.
Boselli orienta representantes de firmas que pretendem vender ou fazer obras para órgãos públicos. Ele se especializou em descobrir pontos falhos que podem levar a fraudes em concorrências.
"As regras de licitações deixaram poucas brechas para o favorecimento", diz, sobre a Lei 8.666, de 1993, que criou novos mecanismos para barrar irregularidades. "Mas a indústria da emergência é um desses pontos falhos."

Vigilância
Contrata-se tudo pelos caminhos da urgência. A Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.), órgão do governo paulista, fechou negócio no final de julho para serviços de vigilância.
A emergência beneficiou a empresa Power, pertencente a Antonio Dias Felipe, amigo e padrinho de casamento de Mário Covas Neto, filho do governador.
Segundo Covas, esse contrato, de R$ 1,9 milhão, não beneficiou Felipe e foi feito apenas enquanto a Dersa realiza uma nova concorrência. A Power já exercia a mesma atividade para o Estado.
Na mesma área de aluguel de mão-de-obra, a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) contratou a Transbraçal, por R$ 2,2 milhões, para realizar cadastramento de pessoas interessadas em comprar casas populares.
A Furp (Fundação para o Remédio Popular), do Estado de São Paulo, acumula, do ano passado até hoje, 68 contratos considerados irregulares pelo TCE.

Índios
O mecanismo da emergência, que pode levar a irregularidades, também pode ajudar o governo a resolver problemas como os de índios do Mato Grosso do Sul.
No mês passado, eles quase não tinham o que vestir. Com um contrato de emergência, o Ministério da Justiça pôde comprar tecidos para atender as aldeias, localizadas no município de Xavantina (MS).
O governo adquiriu R$ 12,3 mil em vestuários, na loja Ely Condimi Tecidos, localizada na região.
Também para os mesmos índios o ministério contratou, com a justificativa da emergência, serviços médicos de urgência.
Como tem de justificar qualquer compra ou contratação de serviço sem licitação, o governo federal às vezes é obrigado a publicar no "Diário Oficial" da União até o caso de internação médica de um único funcionário público.
A edição do dia 23 do mês passado, por exemplo, registra um contrato de emergência para tentar salvar a vida de um sargento da Marinha, Osvaldo Gomes de Santana, atingido na cabeça por uma bala em Salvador.

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