São Paulo, terça-feira, 5 de setembro de 1995
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Ilê Aiyê ajudou a criar identidade negra na BA

FERNANDO ROSSETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

A atual convivência de brancos e negros no Carnaval baiano ocorre há apenas 20 anos e, embora os movimentos que levaram a isso remontem ao início do século passado, pode ser atribuída em grande parte ao bloco Ilê Aiyê.
O Ilê Aiyê é aquele bloco carnavalesco de Salvador que só admite a participação negros em seu desfile. Mantém essa determinação desde a primeira apresentação na avenida, em 1975.
O trabalho de mestrado da assistente social Maria Palmira da Silva, 34, defendido na PUC-SP, traça um bom histórico das festas de Carnaval em Salvador e enfatiza 'à importância do bloco afro Ilê Aiyê no processo de constituição da identidade negra na Bahia".
Para analisar a questão da constituição da identidade negra, Palmira recorre ao conceito de "minorias ativas", da teoria pouco conhecida no Brasil elaborada pelos psicólogos sociais franceses Serge Moscovici e Henri Tajfel.
Em linhas gerais, a idéia é que 'à partir do momento em que um determinado grupo consegue se contrapôr de maneira consistente aos valores e normas vigentes, ele provoca mudanças, não apenas naquelas normas e valores vigentes, como nos próprios indivíduos que participam do grupo".
No caso do bloco Ilê Aiyê, após uma longa história de segregação de negros do carnaval baiano, o pequeno grupo ligado por laços de amizade, parentesco e religião decide tomar as ruas de Salvador no Carnaval de 75 e enfatizar exatamente aquilo que era negado aos negros: o seu valor próprio, sua beleza e seus ritmos.
O efeito foi imediato. Enquanto no primeiro desfile participaram menos de cem pessoas -vaiadas pelos brancos e aplaudidas pelos negros-, hoje o Ilê Aiyê reúne até 3.000 pessoas e provocou profundas transformações nas relações raciais de Salvador ainda na década de 70.
Atualmente, diz Palmira, embora a participação dos negros no Carnaval baiano já seja razoavelmente aceita pela sociedade branca soteropolitana, o fato de o Ilê Aiyê continuar só tendo membros negros amplia o questionamento racial do bloco para todo o país.
O histórico do Carnaval baiano traçado por Palmira é rico em exemplos de como os negros sempre foram ou completamente excluídos ou marginalizados da festa.
Desde sua origem, no início do século 19, ainda com o nome Entrudo, o Carnaval baiano foi uma festa das elites brancas, descendentes dos colonizadores portugueses.
A tese também mostra os diferentes graus de intervenção do Estado e de sua polícia na exclusão dos negros -e principalmente de seu ritmo, o batuque- do Carnaval.
(Fernado Rossetti)

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