São Paulo, terça-feira, 5 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Perene irracionalidade

ANDRÉ LARA RESENDE

Há duas semanas o governo da Rússia injetou uma fortuna no sistema financeiro para evitar um colapso total do sistema bancário. Tatiana Paramonova, que preside o banco central, afirmou ter confiança de que a medida seria suficiente para fazer voltar a funcionar o mercado interbancário. Corridas e pânico o haviam paralisado.
Depois de quatro anos de crescimento acelerado, o sistema bancário russo está sob pressão. Os bancos perderam suas tradicionais receitas inflacionárias aos primeiros sinais de estabilização dos preços.
No Japão, pela primeira vez neste século, acontecem quebras de instituições financeiras: primeiro uma cooperativa de crédito e depois um banco de médio porte. Todo o sistema bancário está em grave dificuldade. Lá não há inflação há muito tempo. O problema é o oposto: deflação. O preço dos ativos reais, após décadas de alta, atingiram níveis absurdos e estão em queda livre.
A América Latina, infelizmente, nunca é exceção nas crises financeiras. Não é preciso lembrar a quebra do sistema bancário da Venezuela há dois anos. O sistema bancário mexicano está virtualmente quebrado desde a crise cambial do fim do ano passado. Na Argentina o sistema bancário sofre pressões terríveis. Lá, o regime monetário, adotado desde a chamada Lei da Conversibilidade que estancou a hiperinflação, não permite que o banco central aja como emprestador de última instância.
O problema não é, portanto, nem exclusivamente nosso, nem novo. Muito pelo contrário, é velho como a Sé de Braga. Fui reler o professor Kindleberger: "Manias, Panics and Crashes" é uma interessantíssima análise histórica das crises financeiras.
O professor contesta a tese de que, embora no passado possa ter havido um padrão sistemático de crises financeiras, hoje as coisas seriam diferentes: os avanços institucionais e a sofisticação dos mercados teriam eliminado toda possibilidade de grande colapso. O livro é de 1978 e já no primeiro capítulo avisa para os riscos da crise das dívidas externas que seria deflagrada em 1982.
A tese adotada por Kindleberger é que o desdobramento das crises financeiras segue um padrão básico: rápida expansão criada por alguma nova oportunidade, expansão monetária, especulação, euforia, reversão de expectativas, corridas, pânico, iliquidez e colapso.
O velho professor pede desculpas: são termos mais vagos do que gostariam os jovens economistas que pretendem praticar ciências exatas. Segundo ele, seu livro é o que hoje se chama pejorativamente de "economia discursiva", em oposição aos modernos modelos matematizados.
Kindleberger esgrima ao longo de todo o livro com a escola monetarista da Universidade de Chicago. Segundo ele, para os monetaristas o mercado nunca erra. A hipótese de que os mercados estão sempre em equilíbrio, associada às chamadas expectativas racionais, que na época faziam sua entrada triunfante na macroeconomia, o irritava particularmente. As grandes bolhas especulativas e as crises financeiras que invariavelmente se seguem são evidência irrefutável de momentos de irracionalidade e da possibilidade de falhas de mercado. Há algo a ser feito?

Texto Anterior: Excluídos e perdedores
Próximo Texto: SINUCA; PREÇO; EM FAMÍLIA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.