São Paulo, quinta-feira, 7 de setembro de 1995
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Sigilo bancário - 2

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Uma votação no Supremo Tribunal Federal na semana passada deixou o ex-ministro Mailson da Nóbrega eufórico, numa efervescência de sal de frutas. Deu vivas ao Supremo, saudando a votação (ainda incompleta) como a confirmação de um "civilizado entendimento sobre o direito ao sigilo bancário. A razão do seu entusiasmo está na suposição de que o STF teria liquidado as pretensões de "livre acesso às informações do contribuinte.
Curiosa exaltação. Convém, é claro, dar os descontos pelos exageros. Afinal, no Brasil, país de memória notoriamente curta, que se esquece com uma certa rapidez das suas glórias passadas, um ex-ministro vale muitas vezes pouco mais do que um contínuo ou um despachante de luxo, como costumava dizer Nelson Rodrigues. Para se fazer ouvir, tem que recorrer a artifícios variados, entre eles o exagero.
Há também imprecisões na argumentação do ex-ministro. Segundo ele, a lei brasileira determina há 30 anos que "a quebra do sigilo depende de processo fiscal ou judicial e a Constituição de 1988, no seu artigo 5, incisos 10 e 12, "elevou esse direito a preceito constitucional.
Vejamos o que diz a Constituição. O inciso 10 do artigo 5 estabelece que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. O inciso 12 dispõe sobre a inviolabilidade do "sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Reparem que não há nesses incisos nenhuma referência ao princípio de que a quebra do sigilo bancário dependeria de processo fiscal ou judicial. Não há nem sequer referência expressa ao sigilo bancário.
O problema, como se sabe, é que o artigo 5 da Constituição (especialmente no seu inciso 12), conjugado com alguns dispositivos da legislação infraconstitucional, tem servido para dar suporte a uma aplicação excessivamente rígida do sigilo bancário, prejudicando a administração tributária e previdenciária. Isso vem dificultando o combate à sonegação, além de favorecer outras atividades criminosas (narcotráfico, lavagem de dinheiro etc.) que prosperam à sombra de interpretações discutíveis do princípio do sigilo.
Essa polêmica é antiga e foi reavivada pela pretensão do governo de passar, no contexto da reforma tributária, uma emenda constitucional que faculta, "na forma da lei, à autoridade tributária federal requisitar informações sobre as operações financeiras dos contribuintes. Essa proposta é "mais branda do que a que foi apresentada e rejeitada, no primeiro semestre, pelo Congresso, escreve o ex-ministro, alegando que desta vez "a lei poderia estabelecer que a quebra do sigilo bancário dependeria de autorização judicial.
É verdade que a proposta agora apresentada é mais branda. É verdade, também, que a quebra do sigilo poderia ficar condicionada, por legislação infraconstitucional, a ordem judicial. Mas neste ponto a proposta atual não difere em nada da que foi rejeitada no primeiro semestre.
De qualquer modo, é interessante a forma de argumentar do ex-ministro. Para ele, o Congresso deveria, por coerência, rejeitar a nova proposta do governo, pois, há menos de seis meses, deixou de acolher "idêntica (sic) proposição. O leitor fica sem saber se a proposta atual é, afinal, "idêntica ou "mais branda do que a anterior...
A redação proposta pelo governo pode, é claro, ser questionada. Por exemplo: por que limitar a possibilidade de requisição à autoridade federal, sem mencionar as administrações tributárias estaduais e municipais? Seja como for, a intenção do governo parece clara; trata-se de neutralizar argumentos capciosos de inconstitucionalidade, que obstruem a ação da administração fiscal e de outros órgãos públicos, como expliquei no artigo da semana passada.
A emenda apresentada não resolve, nem pretende resolver a questão em nível constitucional, posto que a remete a legislação infraconstitucional. É, portanto, nesse terreno que se deveria procurar uma solução criteriosa da controvérsia, que resguarde os interesses do Estado sem desrespeitar os direitos do cidadão.
A ninguém ocorre questionar a importância do sigilo bancário como princípio jurídico. A Constituição de 1988, ao conceder à administração tributária o direito de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, estabeleceu a obrigação de respeitar os direitos individuais.
Não se trata de propor o livre acesso ou a "quebra indiscriminada, mas sim a flexibilização do sigilo bancário. Distinções como essa costumam, naturalmente, despertar suspeitas de segundas intenções.
Na terça-feira passada, tive a oportunidade de participar, na Universidade de Brasília, de um debate com Osiris Lopes Filho, Eduardo Suplicy, Valmir Resende e Fernando Resende. Este último, que é um dos principais formuladores da proposta de reforma tributária do governo, queixou-se enfaticamente de que as sugestões oficiais, inclusive a que se refere ao sigilo bancário, têm sido mal compreendidas e suscitado suspeitas injustificadas sobre as intenções do governo. Não seria possível diminuir essas desconfianças, se a proposta de emenda constitucional fosse acompanhada prontamente das modificações que se pretende propor no campo da legislação infraconstitucional?

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