São Paulo, quinta-feira, 7 de setembro de 1995
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O lobby monstruoso do leite longa vida

ALMIR JOSÉ MEIRELES

Ao incluir o leite longa vida na cesta básica, os governadores de Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro e Distrito Federal receberam aplausos por tornar mais barato um alimento essencial e de consumo popular.
No Estado de São Paulo, onde sobre o leite longa vida incidiam 18% de ICMS, a redução da alíquota para 7% tem gerado algumas críticas, apesar de todo o leite pasteurizado tipos A, B, C e reconstituído já gozar de isenção de ICMS há muito tempo.
É claro que outras entidades de classe, cooperativas e empresas têm apoiado a decisão do governador Mário Covas. Mesmo assim, fala-se de um "lobby monstruoso exercido sobre o governo.
É verdade. Existe um lobby monstruoso do leite longa vida que age sob vários nomes. O primeiro deles é a legitimidade de sua reivindicação.
A ABLV (Associação Brasileira de Leite Longa Vida) tornou pública a discriminação a que vinha sendo submetido o leite longa vida, por meio do artigo "Leite fluido no Brasil: tributação, anarquia fiscal e reserva de mercado. Nele pedia-se apenas justiça fiscal.
Em São Paulo, o governo ficou surpreso ao saber que, enquanto um consumidor dos Jardins pagava zero de imposto pelo leite tipo A ou tipo B, um pobre da periferia pagava 18% de ICMS num litro de leite longa vida. Não teve dúvida em mudar.
Mas esse lobby monstruoso pode ser chamado por outro nome: investimentos. Com o tratamento discriminatório dado ao leite longa vida em São Paulo, os investimentos em novas fábricas estavam sendo feito em outros Estados.
Ao governo de São Paulo cabe atrair investimentos geradores de empregos e proteger a sociedade, e não proteger corporações ou cartéis formados, ironicamente, pelo próprio governo federal, ao longo de meio século de tabelamento de preços.
Mas o lobby monstruoso responde por outro nome: produtores de leite. Se o mercado de leite fluido está mudando, se não houver fábricas de leite longa vida em São Paulo, como o produtor de leite irá vender sua produção? De que adianta as usinas produzirem o pasteurizado se os consumidores querem adquirir o leite longa vida?
Assim é que a redução da alíquota de ICMS do leite longa vida e os investimentos decorrentes tenderão a reduzir as importações de leite pelo Estado de São Paulo, grande importador de leite resfriado B e C de outros Estados há anos, antes de o leite longa vida ter relevância. Seria irracional, via tributo inadequado, São Paulo virar exportador de leite resfriado para importar o produto beneficiado em leite longa vida.
Isso ainda não é tudo. O lobby monstruoso responde por, mais do que um nome, a uma necessidade: a defesa dos consumidores.
Houve um tempo em que os consumidores da Grande São Paulo encontravam um único leite líquido em muitas padarias: o leite pasteurizado tipo B. Hoje, numa mesma padaria o consumidor encontra leite pasteurizado tipos A, B e C, leite longa vida integral, desnatado, semidesnatado.
Encontra, ainda, o produto com adição de ferro e vitaminas ou com reduzido teor de lactose, além de leite em pó. Criar barreiras tributárias internas é tirar do consumidor paulista o direito de escolha.
Por fim, o lobby monstruoso do leite longa vida é a verdade. O leite pasteurizado tipo B, no auge do seu sucesso, nos anos 70, foi vítima de várias críticas.
Acusaram o produto de ser uma farsa, que não passaria de leite tipo C, empacotado em uma embalagem verde tipo B. Isso era injusto, não era verdade. Pois mesmo hoje, quando existem várias alternativas, o leite pasteurizado tipo B continua tendo um respeitável mercado na Grande São Paulo.
A história se repete. A tragédia do leite tipo B não é o leite longa vida, é o fato de seus defensores precisarem usar contra o leite longa vida a mesma estratégia e argumentos que no passado usaram seus antigos algozes.
Essa ação, tal como ocorreu anteriormente, se mostrará ineficaz, pois o lobby monstruoso do leite longa vida é e será a verdade.

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