São Paulo, quinta-feira, 7 de setembro de 1995
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O Brasil e os testes nucleares

RUY DE GÓES

O anúncio pelo governo francês de que retomaria a realização de testes nucleares no Pacífico Sul provocou uma onda de repúdio em todo o mundo, assumindo uma dimensão pouco vista nas relações internacionais.
Dos 184 países representados na ONU, mais de 150 já se manifestaram contra os testes. Entre eles, contam-se EUA, Rússia, Japão, Chile e mesmo os aliados franceses na Comunidade Européia. Uma humilhante medida da extensão dos protestos foi a vaia a que Jacques Chirac foi submetido em sua primeira visita ao Parlamento Europeu.
Alguns países, como o Japão, ameaçam a França com retaliações econômicas. Outros, como a Austrália, adotaram medidas concretas, como excluir empresas francesas das concorrências públicas. A Nova Zelândia, com o apoio da Austrália e outros quatro países, abriu uma ação legal contra a França na Corte Internacional de Justiça.
Além dos governos, multiplicam-se as manifestações espontâneas. Os sindicatos australianos recusam-se a recolher o lixo e a entregar correspondência para a embaixada francesa. Em diversos países, os restaurantes pararam de servir vinho francês. Atos de protesto reúnem milhares de pessoas, fazendo ressurgir as manifestações pacifistas.
A explosão da primeira bomba no último dia 5 fez crescer o tom dos protestos. Chile, Austrália e Nova Zelândia retiraram seus embaixadores de Paris. Nova onda de notas oficiais inunda o gabinete de Chirac. Enquanto isso, até o momento, o Brasil se limitou a uma nota de protesto.
Dada a gravidade do momento político, em que estremecem as negociações pelo desarmamento nuclear, não se pode tolerar que países comprometidos com a promoção da paz mundial, como o Brasil, deixem de se posicionar firmemente perante a comunidade internacional contra os testes. No caso brasileiro, o silêncio só diminui as chances do país conquistar um assento no Conselho de Segurança da ONU, como vem pleiteando o atual governo.
O que se iniciou como um protesto do Greenpeace, com o envio do seu navio Rainbow Warrior 2 ao atol de Mururoa (onde foi abordado com violência pela marinha francesa), já assume dimensões planetárias. Hoje, é a própria existência das armas nucleares que está em xeque. Várias causas contribuíram para isso:
1) O fim da Guerra Fria cassou a legitimidade dos defensores das armas nucleares. Cinquenta anos após Hiroshima, cada vez mais se deseja o fim do terror nuclear, que coloca a população mundial na condição de refém das grandes potências.
2) Entre diversos governos, apesar do tom triunfalista adotado quando da renovação por tempo indeterminado do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), permaneceu um profundo mal-estar.
Nos bastidores da conferência, realizada em abril/maio deste ano, em Nova York, abundavam as críticas aos poucos esforços desenvolvidos pelos países nuclearizados para a redução de seus arsenais, conforme prometido no artigo 6º do tratado. Apesar das recentes reduções nos arsenais dos EUA e Rússia, há mais ogivas hoje do que em 1970, quando da assinatura do tratado.
3) Realiza-se, nos marcos da Conferência de Desarmamento, um enorme esforço para a finalização do Tratado de Proibição Ampla de Testes Nucleares, banindo-os definitivamente. Mesmo durante o TNP, os países nuclearizados prometeram realizar "os esforços possíveis" para sua finalização. As atitudes francesa e chinesa surgem como um banho de água fria.
4) A arrogância dos franceses, afirmando que os testes nucleares não produzem nenhum efeito ambiental, provocou o repúdio de inúmeros cientistas. Nenhum estudo de impacto ambiental em profundidade foi realizado, o que é reivindicado pela comunidade acadêmica, países vizinhos e ambientalistas.
É difícil prever o final dessa controvérsia. Buscando uma imagem de "novo De Gaulle", Chirac comprometeu-se pessoalmente com as explosões em Mururoa. Por outro lado, cresce a oposição aos testes, mesmo no front interno. Pesquisa recente mostra que 63% dos franceses são contra os testes.
Em um mês, os testes nucleares roubaram mais de 10% da popularidade de Chirac. Apesar do recuo que o anúncio francês provocou nas medidas em prol do desarmamento, pode-se afirmar que já há vitórias parciais.
Nestes dias, com a Conferência de Desarmamento em Genebra, os países que defendem uma real proibição dos testes encontram-se fortalecidos. Um dos pontos de discussão que vinham entravando a finalização do tratado era quanto à realização de testes nucleares de baixa potência.
Contudo, no último dia 9 de agosto, a delegação francesa acabou concordando com uma proibição ampla, seguida no dia seguinte pelo governo americano, que passou por cima de acirrada oposição de setores do Pentágono.
Nos últimos meses, a opinião pública mundial já deixou clara sua oposição aos testes nucleares. Cabe agora aos governantes traduzi-la na forma do Tratado de Proibição Ampla de Testes Nucleares. O Brasil não pode ficar fora desta luta -e a sociedade brasileira espera uma atitude mais firme de seus representantes máximos.

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