São Paulo, quinta-feira, 7 de setembro de 1995
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Collormania

OTAVIO FRIAS FILHO

A imagem de Collor se consolida como o mito político básico desta geração, destinado a sofrer plágio até por parte dos que se opõem a ele. Coisa parecida aconteceu há mais de 30 anos, e durante décadas, a partir dali, a política esteve infestada de imitadores de Jânio.
Collor encerrou o reinado desses imitadores. Tão semelhante ao modelo original, ele no entanto mostrou que a política passava a ser "clean", que ela era absorvida pela publicidade comercial e pelo show-biz, que mais do que nunca o governante administrava símbolos e não coisas.
E que esses símbolos eram permutáveis como as imagens numa tela de TV, de forma que era possível ser progressista em ecologia e reacionário em religião, liberal em economia e autoritário em política, patriota e entreguista. Num período de crise semântica é possível ser de esquerda e de direita ao mesmo tempo.
Talvez tenha sido essa descoberta sensacional o que enlouqueceu Collor. Para uma pessoa determinada e ambiciosa, ela abria um horizonte nunca descortinado, antevisto no folclórico encontro do restaurante em Pequim onde ele e dois ou três amigos, provavelmente de pileque, combinaram que Collor seria candidato a presidente.
Embora tenha sido apenas o importador de uma mentalidade internacional, o "cavalo", como se diz no candomblé, de uma entidade superior, Collor fez miséria: durante um ano e meio ele hipnotizou a sociedade e concentrou, em plena democracia, poderes quase ditatoriais.
Nesse curto período ele desmantelou o Estado e jogou a economia no desfiladeiro da inserção internacional, precipitando mudanças irreversíveis das quais o governo FHC é um eco, uma reverberação como os sinais do teste nuclear francês captados no Chile.
Collor subiu até o ponto mais alto que a imaginação admite para depois cair nos abismos dostoievskianos de que tivemos um mórbido vislumbre no programa do SBT. Ele é um personagem de ficção, toda a sua vida encapsulada na duração daqueles poucos anos incríveis fora dos quais, catatônico, ele não vive.
Foi, entretanto, o homem de ação por excelência, fazendo-se sempre presente, rápido, decidido, ocupando todo e qualquer espaço imaginário disponível. O caráter meteórico de sua aparição tem a ver com esse estilo e de certo modo ele caiu por excesso de rapidez, por hiperatividade, assim como Itamar governou por inércia.
A separação entre virtude política e virtude pessoal é a base da própria ciência política, desde pelo menos Maquiavel, mas mesmo assim nos perguntamos como foi possível que uma pessoa tão inescrupulosa, frívola, boçal (há adjetivos mais leves para qualificá-lo?) chegasse a tanto.
Collor é um lembrete sobre o fundo irracional da política, que desfaz plataformas e programas como castelos de areia e submete os políticos ao movimento de gigantescas marés internacionais, às vezes adiáveis, mas não por muito tempo.
O governante não é, assim, aquele que melhor pensa, o mais inteligente ou o mais preparado, nem o mais sério, mas aquele que não pensa, porque dispõe de uma qualidade intuitiva, apaixonada e prática, em comunicação, por assim dizer telepática, com aquelas marés. Para o bem e para o mal.

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