São Paulo, quinta-feira, 7 de setembro de 1995
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Agenda de ministro

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO-Bom dia para refletir sobre o Brasil, 163 anos depois de sua independência formal. Sugiro o exame da agenda de um ministro neoliberal do governo neo-social no contexto social-democrata das intenções generalizadas.
A loucura começa nos rótulos. O ministro jura que é social-democrata, pratica o neoliberalismo, mas garante que vai inaugurar uma trilha nova: o neo-socialismo -embora ele seja o primeiro a não saber o que seja isso.
Abstraindo as definições, vamos à agenda propriamente dita: ele acorda em São Paulo, toma café da manhã em Brasília com líderes ruralistas, abre um simpósio ecológico no Ceará, almoça no Rio com um ex-secretário de Estado americano, depõe na Comissão das Relações Exteriores do Senado, assiste a um filme no Festival de Gramado, participa de um coquetel em homenagem a Jorge Amado na Bahia, janta em Minas com a comissão que prepara as festividades comemorativas do centenário de Tancredo Neves, daqui a 15 anos, assiste a uma peça da Ruth Escobar em São Paulo, toma parte numa mesa-redonda da TV paranaense e dorme no Mato Grosso do Sul, onde, na manhã seguinte, fará uma inspeção de rotina no Pantanal.
Como no soneto de Anvers (no meu tempo todo mundo citava esse soneto), o ministro lerá essa tranquila agenda e perguntará: "Que ministro será esse?" -e não compreenderá.
É também um técnico altamente habilitado em endemias, câmbio, política tributária, código de comunicações e clima da Antártida, tema sobre o qual é considerado uma das autoridades mundiais.
Como no ministério todos são mais ou menos iguais e cumprem compromissos semelhantes, compreende-se o presidente da República que se declara empenhado na tarefa de levar o Brasil para frente, sem tergiversações outras, deixando às oposições o direito de espernear.
A qualidade do ministério é tal e tanta que para um ministro neoliberal cenoura não é cenoura: é tubérculo.

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