São Paulo, quinta-feira, 7 de setembro de 1995
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Xangai já não é mais a Paris do Oriente

DO "LE MONDE"

Xangai já não se encontra inteiramente em Xangai -ela escorregou para outro lugar, em direção ao imaginário.
Pelo menos a Xangai mítica do cinema e dos viajantes, aquela das espeluncas, dos bordéis e dos traficantes, a Marselha chinesa, por muito tempo conhecida como a Paris do Oriente.
É verdade que ela ainda se situa às margens do rio Huangpu, mas isso talvez seja a única coisa que sobrou de sua cara antiga.
Ainda resta um cotovelo de rio, o Bund, com seus jardins públicos antigamente proibidos aos "cães e chineses", ornamentados com um vistoso monumento aos heróis da pátria em frente à feia torre da televisão, estranho cilindro metálico com uma agulha de aço na ponta.
Também estão de pé, ainda, as velhas fachadas do Bund -aquelas que apareciam nos cartões postais- e o famoso Hotel Peace, uma verdadeira catedral art déco onde ainda se apresenta uma orquestra de jazz de Nova Orleans, composta de septuagenários e onde a luz amarela dos lustres de ferro fundido preto é tão fraca que mal se consegue ler um jornal.
A seu lado, quase nada sobrou do Hotel Dong Feng, que abrigava personalidades famosas e eventos festivos e, durante muito tempo, se orgulhou de ter o bar mais comprido do mundo -The Long Bar.
O bar em questão foi desmontado, restando uma pequena parte. E, cúmulo do abominável, verdadeira violação coletiva: o andar nobre foi convertido numa filial da Kentucky Fried Chicken.
A rua Nankin, artéria da cidade, a rua de comércio mais ativo em toda a China, e que, em 1935, foi palco da primeira revolta dos operários da indústria têxtil, é hoje um balcão da indústria japonesa.
Sobraram algumas grandes lojas e um belíssimo cinema de 1930, o Grande Lumière, dando uma idéia do que foi o prestígio do cinema em sua era dourada.
Mais a oeste ainda restou também o cassino Le Grand Mond, que conseguiu sobreviver aos tumultos das diferentes épocas e até mesmo à Revolução Cultural, sem perder sua reputação alegre e de moral duvidosa.
Mas, fora isso, tudo mudou. Há cinco anos a cidade toda era baixa e cinzenta, excetuando alguns edifícios de inspiração soviética. Hoje altos edifícios brotam por toda parte; os trabalhos de construção vão adiante dia e noite.
O bairro da antiga possessão francesa, o mais elegante, com suas casas e bangalôs normandos, foi devastado para dar lugar a grandes hotéis internacionais. Fora do Bund, descrito como os Champs-Elysées de Xangai, a cidade inteira vive a ameaça de uma repentina e irreversível americanização do espaço.
Ser cineasta na China é coisa que se torna cada vez mais difícil. Os estúdios em Xangai são controlados pelo partido. O cinema de propaganda política é organizado por um Bureau de Cinema subordinado ao Ministério da Cultura.

Tradução de Clara Allain

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