São Paulo, sexta-feira, 8 de setembro de 1995
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Reflexões sobre o empréstimo compulsório

MAILSON DA NÓBREGA

A proposta de restabelecer o empréstimo compulsório para absorção temporária do poder de compra dificilmente será aprovada pelo Congresso. Existe um clima francamente hostil ao projeto na opinião pública.
Não se aceita também o fim da exigência de lei complementar e da observância do princípio da anualidade para os empréstimos compulsórios já previstos na Constituição, isto é, os destinados a atender despesas com calamidades públicas, guerra ou investimentos públicos.
Essa ojeriza nacional decorre do mau uso do instrumento no passado, que acabou por desmoralizá-lo. O desastrado empréstimo compulsório sobre combustíveis em 1986 nunca pôde ser devolvido e virou, assim, mero confisco.
A idéia em si está longe de ser pacífica. É difícil eleger uma base satisfatória para a incidência. Mesmo quando o empréstimo para absorver poder aquisitivo era permitido, muitas batalhas jurídicas foram travadas sob o argumento da bitributação.
Diante de tudo isso, o que teria levado o governo a fazer a proposta? Certamente não foi porque o empréstimo compulsório é encontrável em outros países. Nem por causa de sua instituição no Brasil em diferentes épocas e regimes políticos: 1951, 52, 56, 62, 63, 65, 80, 83 e 86.
Deve ter considerado que sua adoção como instrumento de redução de poder de compra, em circunstâncias excepcionais, tem inegável justificativa técnica no Brasil.
Um bom exemplo é o Plano Real. Como se recorda, no último trimestre de 1994 ocorreu um boom de consumo provocado por diversos fatores: a restauração de renda da massa de assalariados, a ampliação do crédito, a criação de novos empregos, o clima de confiança e a valorização cambial.
O crescimento do consumo se deu a uma velocidade maior do que a do incremento da oferta doméstica. O resultante desequilíbrio deu origem, então, a uma rápida expansão das importações e a uma tendência explosiva do déficit comercial.
A redução dos níveis de poupança e o financiamento desse déficit via capitais voláteis de curtíssimo prazo nos colocaram numa trajetória semelhante à do México.
Era preciso agir para reverter a perigosa trajetória das contas externas. Uma saída seria a desvalorização cambial para encarecer as importações e aumentar a competitividade das exportações. O governo não poderia, contudo, correr o risco de pôr o Plano a perder em face dos decorrentes efeitos inflacionários da medida.
Outra saída seria reduzir a demanda mediante rápido corte de gastos públicos. Era uma providência impossível diante da rigidez orçamentária. Mais de 90% das receitas federais se destinam a gastos predeterminados pela Constituição. Também não era viável aumentar de imediato o Imposto de Renda, pois a cobrança somente poderia ser feita no ano seguinte.
A solução foi usar o pior conjunto de instrumentos: juros altos e restrições creditícias de toda ordem. O governo reduziu prazos do crédito ao consumidor e dos consórcios, proibiu leasing para automóveis e baixou uma pletora de recolhimentos compulsórios no sistema bancário.
O êxito foi indiscutível. O consumo se retraiu substancialmente e a balança comercial se ajustou. Além disso, as reservas internacionais se restabeleceram e até devem ter ultrapassado o valor que exibiam no momento da introdução da nova moeda.
O custo do ajuste foi, todavia, muito grande e ainda se faz sentir: aumento de falências e concordatas, desemprego, tensões no sistema bancário, desânimo no meio empresarial. Como as restrições e os juros altos atingem apenas quem precisa de crédito, foi preciso uma dose maior do remédio. Uns foram mais atingidos do que outros.
Se tivesse sido possível criar um empréstimo compulsório para reduzir temporariamente o poder aquisitivo, os efeitos colaterais teriam sido muito menos dolorosos. E não se beneficiaria tanto os que aplicaram recursos no mercado financeiro nem os capitais externos especulativos que vieram apenas para aproveitar o elevado diferencial entre as taxas de juros domésticas e externas.

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