São Paulo, sexta-feira, 8 de setembro de 1995
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O Cruzado e o Real

JOSÉ SARNEY

Há uma vasta literatura sobre o Plano Cruzado. Dele muito se falou e ainda muito se vai falar. Ele foi certamente o primeiro ato corajoso de fugir à imposição clássica, remédio único servido pelas organizações internacionais para o ajustamento da economia, e que consistia só em ver o assunto examinado sob o ângulo do déficit público. O resto nada adiantava.
Devia-se jogar o país na recessão, contrair o mercado interno, evitando o consumo, desemprego, ajuda ao setor de exportações, de modo a inspirar confiança aos bancos com os saldos comerciais, que por sua vez iam direto para o pagamento da dívida externa.
Ouvi do presidente Reagan que a dívida era um problema meramente bancário. Disse-lhe que a dívida tinha um aspecto político. É de Tancredo a frase: "Não se pode pagar a dívida com a fome do povo". Já do presidente Bush ouvimos a concordância de que a dívida tinha um aspecto político e, por isso mesmo, o governo americano teria de entrar no problema e não deixar só os banqueiros nele. Aí surgiu o Plano Baker e depois o Plano Brady.
É fácil, hoje, julgar o Plano Cruzado. Dizer que ele parou porque não foram tomadas as medidas que deviam ser tomadas. Na realidade, nenhuma medida me foi sugerida que eu tivesse bloqueado. Fala-se nas medidas e ninguém diz quais eram.
A verdade é que o Plano Cruzado era pioneiro. Ninguém tinha tido, até então, a coragem de efetivamente fazer um plano fora dos moldes ortodoxos. Hoje, é fácil dizer quais eram os defeitos da "tablita" e também os riscos do desabastecimento.
O Cruzado foi o grande passo que o Brasil deu para possibilitar uma nova postura dos homens públicos em face dos problemas econômicos. Sem o Cruzado não haveria o Plano Real. A equipe que concebeu o primeiro é a mesma que concebeu o segundo, e os aprendizados do segundo foram feitos com a vivência do primeiro.
Os problemas surgidos com o Cruzado, para mim, não foram decorrentes da falta de correção no Cruzado 1, mas justamente a correção errada feita pelo Cruzado 2. Em novembro de 1986, quando foi editado, a inflação era de 3%. Até hoje, para mim é uma incógnita como se pôde cometer erro tão grande.
Outro fator importante foi, sem dúvida, a falta de coesão no problema da dívida dos países da América do Sul, mais endividados. Alguns presidentes tinham acordado comigo que tomaríamos atitudes solidárias. Quando assumi a decisão de fazer uma moratória técnica, ficamos sós e enfrentamos a fúria internacional.
Se o Brasil desse certo, todo o instrumental da política pregada pelo FMI estaria abalado. Internamente, os políticos aderiram a esse cerco, porque ele significava o fracasso de uma tentativa histórica que, também internamente, mudaria o jogo de forças.
Depois, vem esta balela de ser um plano eleitoreiro. Qual a eleição? A de 15 de novembro, tão longe! Esse ataque é sem dúvida o mais estúpido de todos. O Real foi editado três meses antes da eleição presidencial e ninguém o acusa desse objetivo. Se acusação se tivesse de fazer ao Cruzado, por esse lado, era o de ter sido posto em prática tão cedo. Podia ser na Constituinte ou na sucessão. Mas ele foi feito para o país e não por motivos políticos.

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