São Paulo, sexta-feira, 8 de setembro de 1995
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A reforma possível e a reforma sonhada

LUIZ ANTÔNIO DE MEDEIROS

Infelizmente, sob a pressão de governadores e prefeitos, o governo preferiu recuar e, sob o argumento de que não há condições políticas para uma reforma tributária e fiscal "avançada", decidiu-se pelo que chama de reforma "possível" -um remendo difícil de ser assimilado. Prefeitos e governadores não pensaram na sociedade, mas em suas máquinas de arrecadação e gastos.
Alguns governadores e prefeitos ganharam, no grito, uma batalha que não houve. A decisão deixou frustrados os milhões de trabalhadores da Força Sindical que aprovaram há dois anos uma proposta avançada que o governo conhece bem -até porque os economistas que trabalharam em sua elaboração, pagos pela central, hoje estão no governo.
Os economistas contratados pela Força desenvolveram essa proposta com liberdade, sem os compromissos da pressão política. Determinamos unicamente que o resultado fosse um sistema simples e justo. Lembro-me que esses economistas manifestaram enorme conforto pelo fato de poderem trabalhar sem pressões políticas. Entristece-nos agora ver nossa proposta só como um exercício -bom, do ponto de vista técnico, mas "politicamente" inaplicável.
A proposta parte do princípio de que o sistema em vigor é um Frankenstein que impede o Brasil de se desenvolver. Num mundo de relações econômicas globais, o sistema é também incompatível com a abertura comercial.
Poucos, principalmente assalariados, pagam muito, enquanto muitos sonegam ou lançam mão de artifícios legais, mas imorais, para fugir do imposto. A máquina arrecadadora é uma peneira furada e minada pela corrupção. A sonegação atinge volumes espantosos. O sistema não é só injusto. É ineficaz.
Nossa proposta reduz os impostos para apenas oito (mais duas contribuições), com sua carga nominal reduzida. Ela permitiria desagravar o lucro -para estimular o investimento- e a folha de pagamentos -para estimular o emprego. Aumenta o peso relativo dos tributos diretos, de forma a assemelhar nossa estrutura tributária à dos países avançados. A carga tributária, como proporção do PIB, aumentaria sem que qualquer um de nós tivesse que pagar mais.
Dos oito impostos sugeridos, dois fariam a base do sistema: o Imposto de Renda, com quatro faixas de contribuição (10%, 17%, 25% e 30%), o que o torna mais justo e progressivo, e o Imposto Sobre Produção e Consumo de Mercadorias e Serviços, IMS, resultado da fusão do IPI, federal, do ICMS, estadual, e de parte do ISS, municipal, mais o PIS-Pasep e a Cofins, que deixariam de existir. Teríamos um imposto sobre heranças e doações, o ITR, o IPTU e o IPVA, o ISSF, um imposto para o comércio exterior, uma contribuição para a Previdência e outra para o FGTS.
De uma carga tributária prevista de 28,5% do PIB, 7% seriam relativos ao IR e 14,9%, ao IMS, o que daria 21,9% -mais do que suficiente, somados aos demais impostos, para pagar as contas do Estado.
Governadores e prefeitos, que fizeram muito barulho por nada, podem ficar tranquilos. Os quadros desta página esclarecem que todos ganham. Claro que nosso projeto prevê também um novo pacto federativo. Para o país funcionar é preciso redefinir as competências dos três níveis da administração.
Tecnicamente, tudo parece fácil. Basta transformar essa proposta em emenda constitucional e encaminhá-la ao Congresso, com o compromisso de que os acordos serão cumpridos e nenhuma esfera será prejudicada. Por que isso não acontece? Porque as partes não confiam uma nas outras. Prefeitos e governadores temem que, na discussão no Congresso, o Frankenstein se transforme em um monstro pior. Por isso o governo recuou e está encaminhando ao Congresso uma proposta tímida.
Ora, estou cada vez mais convencido de que, se não formos radicais no processo de reformas, o Brasil vai perder o bonde da história e não se desenvolverá. Nosso apoio às reformas, desde o início, nos tem mostrado que temos mais acertado do que errado.
Este espaço é insuficiente para explicarmos a proposta com mais detalhes. A íntegra está em "Um Projeto Para o Brasil", que pode ser encontrado nas boas livrarias. Esse documento pode ser visto também nas universidades e nos principais gabinetes de Brasília, onde trabalham, repetimos, muitos daqueles que nos ajudaram em sua elaboração.
Pena que esses hoje administradores públicos encarem a obra de que foram entusiasmados parceiros apenas como uma simples contribuição técnica para o debate intelectual. Na hora de transformar a teoria em prática, a velha política atrasada fala mais alto. É preciso ser realista, mas, sem ousadia, o realismo pode se transformar em mera condescendência. Com a palavra, o presidente.

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