São Paulo, sábado, 9 de setembro de 1995
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A hora e a vez dos subdesenvolvidos - 3

RUBENS RICUPERO

O que é que de fato está mudando no panorama do desenvolvimento nestes anos 90?
Muita gente dirá que tem sido o fim do comunismo "real", o triunfo da economia de mercado, a desarticulação da velha aliança dos países do Terceiro Mundo, a globalização da economia.
Tudo isso é verdade, mas constitui o fundo do quadro. Em termos específicos, estão ocorrendo duas mudanças fundamentais.
Pela primeira vez na história, os três países mais pobres e populosos -China, Índia e Indonésia, com população combinada perto de 2,3 bilhões de pessoas- crescem aceleradamente a uma taxa média de 6% ao ano.
Durante a maior parte do após-guerra, as visões pessimistas da economia mundial invocavam um argumento forte: desde a ascensão do Japão, não existia nenhum caso concreto, no campo capitalista, de país que demonstrara, na prática, a capacidade de fazer o salto para a classe dos desenvolvidos, o estágio da decolagem ou "take off" de Rostow.
Os partidários da primazia da revolução apontavam para a "construção do socialismo num só país", na URSS, a brutal acumulação de capital sob Stalin ou o "sputnik" de Kruschev como prova de que era preciso romper primeiro a camisa-de-força do capitalismo a fim de conseguir crescer.
Mesmo antes da queda do muro de Berlim, a tese era pouco atrativa, não só devido ao custo humano dos métodos, mas também em razão do caráter duvidoso dos resultados.
A situação começa a mudar com o sucesso dos quatro dragões asiáticos (Coréia do Sul, Cingapura, Hong Kong e Taiwan), seguidos pelo igual êxito dos países da "Segunda Onda" (Malásia e Tailândia, principalmente).
O exemplo não parecia, porém, convencer de todo, ou por se tratar em alguns casos de cidades-Estados, ou, em outros, de nações de dimensões limitadas que, por motivos em parte político-estratégicos, haviam sido beneficiadas por investimentos maciços.
As reformas na China a partir do fim dos anos 70 e, pouco depois, na Índia e na Indonésia dissiparam algumas dúvidas. Como afirmou a OCDE, a organização dos países industrializados, "o fato de que uma parte importante da população mundial tenha começado a romper com o subdesenvolvimento crônico deve ser considerado um passo de gigante".
Em recente estudo sobre a interdependência mundial, a OCDE assinala a segunda mudança fundamental que se processa sob nossos olhos. Dentro de apenas 15 anos, a produção somada dos 25 países mais ricos terá descido a 44% do total mundial, em lugar dos atuais 54%.
Esse espaço perdido será em grande parte ocupado pela expansão dos países em desenvolvimento. Se os três grandes asiáticos forem capazes de manter, ao longo desse período, uma taxa de crescimento de 6% ao ano, sua produção será multiplicada por dois e corresponderá a 60% da OCDE.
Desde que o Ocidente afirmou sua supremacia e, sobretudo, desde a Revolução Industrial, será a primeira vez que o conjunto das nações industrializadas ocidentais deixará de responder por mais da metade da produção da riqueza global.
Em termos relativos, é algo comparável, até certo ponto, ao momento em que a Inglaterra (e a Europa) passou o cetro aos Estados Unidos ou quando estes viram sua posição declinar com a recuperação do Japão e da Alemanha do após-guerra.
É claro que isso não altera, a curto prazo, nem a imensa concentração de poder estratégico-militar em mãos dos EUA e da Otan, nem muito menos, e por longo tempo, a incomensurável superioridade dos industrializados em termos per capita.
Cedo ou tarde, porém, uma mudança desse porte não deixará de fazer sentir seu efeito no que os marxistas-leninistas gostavam de chamar a "correlação mundial de forças", quando mais não seja no domínio econômico.
Aquilo que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) pensou ter conseguido nos anos 70 mas se revelou efêmero, teria afinal ocorrido.
Ainda que as condições atuais se mantenham e tudo dê certo, isso não quer dizer nem que as reformas internas sejam suficientes para o desenvolvimento -pois muitos fatores externos têm contribuído no mesmo sentido-, nem que exista uma fórmula simplista aplicável a todos os casos.
O que esta tendência demonstra é apenas que, neste momento, alguns -e não dos menores- estão conseguindo crescer. Que, não obstante tanta coisa injusta e desfavorável, os subdesenvolvidos parecem que terão finalmente sua hora e sua vez. Conseguir que não haja marginalizados nesse processo e que todos se beneficiem, já é outra história.

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