São Paulo, sábado, 9 de setembro de 1995
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Do economicismo tardio

ARMANDO BARROS DE CASTRO

Verdades elementares, frequentemente esquecidas, devem ser lembradas quando se discute o affaire Econômico.
1º) O sistema capitalista, para funcionar, não pode prescindir da destruição criadora (Shumpeter) que inclui, ao menos parcialmente, socialização de perdas. Tal fenômeno, evita que se amplifique a desarticulação da economia em decorrência da concorrência predatória. Indispensável para acelerar o sucateamento, ou seja, a amortização e substituição antecipada dos equipamentos, a concorrência quando realizada sem parâmetros, tende a ocasionar sucessivas quedas no nível de atividade econômica num processo de retroalimentação (Keynes).
2º) A hipertrofia do setor financeiro brasileiro, gerada por décadas de inflação indexada, torna imperioso e impostergável profundo enxugamento que o reponha em dimensões relativas similares ao que ocorre nos demais países.
3º) Crucial para a estabilidade econômica, a questão da liquidez hipnotiza os economistas pelos aspectos monetários. Na verdade, um movimento inflacionário ou deflacionário pode estar positivamente associado ao aprofundamento da divisão social do trabalho ou ao progresso técnico e a consequente redução de custos e preços.
4º) O subsistema financeiro dos bancos regionais ou estaduais inviabilizou-se, em primeiro lugar, em decorrência da política de endividamento externo e, posteriormente, interno do governo federal.
Não se pense, no entanto, que se está fazendo a defesa de empréstimos e financiamentos eticamente inadmissíveis e economicamente inviáveis, realizados, é bom que se diga, em todos os níveis da administração pública ao longo das últimas décadas. Que não se cogite também, que se está defendendo a privatização "tout court", pois a lucratividade privada dessa política encobre as perdas de patrimônio público.
É revoltante, portanto, verificar que graves desafios, de natureza estrutural e sedimentação histórica, ao invés de devidamente diagnosticados e avaliados, estejam protegidos por uma áurea espúria de moralismo e embalada em tecnocratismo.
Weber, tendo reconhecido a vitalidade autofágica do capitalismo, com razão vaticinou-lhe futuro sombrio, antevendo sua crescente burocratização correspondente à etapa monopolista e oligopolista e, consequentemente, à redução do papel da criatividade e do risco.
Não previu, no entanto, que os Estados Nacionais, inspirados no keynesianismo, se incumbiriam de socializar perdas, substituindo assim, boa parte da função macroeconômica do risco individual das etapas precedentes.
Dessa forma, a ortodoxia associada às teses e aos procedimentos dos bancos centrais não decorre, preponderantemente, de um governo específico ou das respectivas diretorias.
É, simplesmente, decorrência dos novos desafios da globalização das economias, que pressupõem uma instância de controle e regulamentação dos fluxos financeiros internacionais para reduzir o risco das falências e evitar a quebradeira geral.
Observe-se, inclusive, a necessidade de compatibilizar, no plano mundial, os fluxos financeiros com a aceleração da obsolescência tecnológica e consequente degradação dos valores dos ativos produtivos. Tal processo requer estabilidade cambial e, no médio prazo, equilíbrio orçamentário. São os fundamentos históricos da ortodoxia e a razão de ser dos bancos centrais.
Conclui-se, portanto, que a globalização, ao tornar vertiginosa a magnitude e a velocidade dos fluxos financeiros internacionais, contribui para explicitar os paradoxos inerentes à natureza dos bancos centrais: há que estruturá-los para controle dos espaços nacionais, ainda que sacrifiquem potencialidades nacionais; há que torná-los independentes dos interesses "nativos" sejam eles nacionais ou regionais.
Sem defender ou atacar a sobrevivência ou a estatização do Econômico -falta-nos conhecimento específico de causa- gostaríamos de assinalar a legitimidade da defesa dos interesses regionais assim como dos nacionais ou estaduais, inclusive, para o avanço da democracia. Finalmente, repudiamos o sentido moralista frequentemente associado à idéia do banco central independente que apenas turva a corrente dos interesses globalizados que crescentemente governam o mundo.

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